segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Um pouco mais de Graciliano Ramos...



"Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar.
Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer." (Graciliano Ramos)


TRECHO EXTRAÍDO DE VIDAS SECAS
"Fabiano ouviu os sonhos da mulher, deslumbrado, relaxou os músculos, e o saco da comida escorregou-lhe no ombro. Aprumou-se, deu um puxão à carga. A conversa de Sinhá Vitória servira muito: haviam caminhado léguas quase sem sentir. De repente veio a fraqueza. Devia ser fome. Fabiano ergueu a cabeça, piscou os olhos por baixo da aba negra e queimada do chapéu de couro. Meio dia, pouco mais ou menos. Baixou os olhos encandeados, procurou descobrir na planície uma sombra ou sinal de água. Estava realmente com um buraco no estômago. Endireitou o saco de novo e, para conservá-lo em equilíbrio, andou pendido, um ombro alto, outro baixo. O otimismo de Sinhá Vitória já não lhe fazia mossa. Ela ainda se agarrava a fantasias. Coitada. Armar semelhantes planos, assim bamba, o peso do baú e da cabeça enterrando-lhe o pescoço no corpo.
Foram descansar sob os garranchos de uma quixabeira, mastigaram punhados de farinha e pedaços de carne, beberam na cuia uns goles de água. Na testa de Fabiano o suor secava, misturando-se à poeira que enchia as rugas fundas, embebendo-se na correia do chapéu. A tontura desaparecera, o estômago sossegara. Quando partissem, a cabaça não envergaria o espinhaço de Sinhá Vitória. Instintivamente procurou no descampado indício de fonte. Um friozinho agudo arrepiou-o. Mostrou os dentes sujos num riso infantil. Como podia ter frio com semelhante calor? Ficou um instante assim besta, olhando os filhos, olhando os filhos, a mulher e a bagagem pesada. O menino mais velho esbrugava um osso com apetite. Fabiano lembrou-se da cachorra Baleia, outro arrepio correu-lhe a espinha, o riso besta esmoreceu.
Se achassem água ali por perto, beberiam muito, sairiam cheios, arrastando os pés. Fabiano comunicou isto a Sinhá Vitória e indicou uma depressão do terreno. Era um bebedouro, não era? Sinhá Vitória estirou o beiço, indecisa, e Fabiano afirmou o que havia perguntado. Então ele não conhecia aquelas paragens? Estava a falar variedades? Se a mulher tivesse concordado, Fabiano arrefeceria, pois lhe faltava convicção; como Sinhá Vitória tinha dúvidas, Fabiano exaltava-se, procurava incutir-lhe coragem. Inventava o bebedouro, descrevia-o, mentia sem saber que estava mentindo. E Sinhá Vitória excitava-se, transmitia-lhe esperanças. Andavam por lugares conhecidos. Qual era o emprego de Fabiano? Tratar de bichos, explorar os arredores, no lombo de um cavalo. E ele explorava tudo. Para lá dos montes afastados havia outro mundo, um mundo temeroso; mas para cá, na planície, tinha de cor plantas e animais, buracos e pedras.
E andavam para o Sul, metidos naquele sonho. Uma cidade grande, cheia de pessoas fortes Os meninos em escolas, aprendendo coisas difíceis e necessárias. Eles dois velhinhos, acabando-se como uns cachorros, inúteis, acabando-se como Baleia. Que iriam fazer? Retardaram-se temerosos. Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. E o sertão continuaria a mandar gente para lá. O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, Sinhá Vitória e os dois meninos."
(Graciliano Ramos - Vidas secas, pág. 130, 131,134)

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Dalton Trevisan

O Pós-Modernismo é uma escola literária com diversos autores intrigantes que descrevem as reflexões do ser humano do Século XX. Dalton Trevisan apesar de desconhecido por muitos é um destes autores e merece destaque, pois é considerado o mais pessoal inventor da prosa contemporânea deste período.
Dalton Trevisan é um contista com narrações curtas e fotográficas do cotidiano, que relata a “náusea” na vida violenta da cidade
Nasceu em Curitiba, Paraná, onde vive até hoje, avesso a vida literária. Como repórter policial vivenciou situações de violência e miséria moral e material. Estas situações são reveladas em suas obras:

• Sonata Ao Luar (1945)
• Os Domingos ou Ao Armazém de Lucas (1954)
• Novelas Nada Exemplares (1959)
• Lamentação De Curitiba (1961)
• Cemitério De Elefantes (1964)
• Morte Na Praça (1964)
• O Vampiro De Curitiba (1965)
• Desastres Do Amor (1968)
• A Guerra Conjugal (1969)
• O Rei Da Terra (1972)
• O Pássaro De Cinco Asas (1974)
• A Faca No Coração (1975)
• A Trombeta Do Anjo Vingador (1977)
• Crimes Da Paixão (1978)
• Essas Malditas Mulheres (1982)
• Meu Querido Assassino (1983)
• Ah É (1994)

Características do Autor

 A temática dos contos é sempre sobre miséria, violência e instinto sexual.
A relação homem-mulher é quase sempre a viga mestra, passando pelos temas: incesto, homossexualismo e estupro.
 A narração é muito dinâmica e intrigante.
 As personagens são pessoas anônimas em conflito, esmagadas pela sociedade.
Entre elas estão: viciados, desajustados, solitários, adolescentes e idosos.
Todas não possuem sobrenome e o nome é comum, como Maria e José.
 Crítica aos valores da burguesia
 Ironia, sarcasmo e sátira.
 Caracterização instantânea: descrição estática e caricata, como uma fotografia.
 Concisão
 Laconismo

Modernismo e Modernidade

Alberto Beuttenmüller

O modernismo é, antes de tudo, um estilo, uma linguagem, um código, um sistema de signos com normas e unidades de significação. Ou seja, implica em uma visão de mundo. Ser moderno é estar em um tempo e espaço que promete aventura, poder, crescimento, alegria, transformação do ego e do mundo ao redor, mas, ao mesmo tempo, ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que somos e sabemos. O que se disser aqui acerca de modernismo e modernidade vale também para o pós-modernismo e a pós-modernidade.

Antes vamos definir modernismo e modernidade. Modernismo é o fato; modernidade, a reflexão sobre o fato. Teixeira Coelho no seu livro Moderno Pós-Moderno (Iluminuras) nos lembra que Henri Lefebvre definia modernismo como a consciência que cada uma das gerações sucessivas teve de si mesma e a consciência que as épocas e os períodos tiveram de si mesmos. Teixeira Coelho crê que consciência é uma palavra forte demais e a substitui por representação, que se encaixa melhor, e por épocas e períodos entende-se um conjunto de pessoas, num certo espaço-tempo, e as relações estabelecidas entre elas. Representação é melhor porque não elimina, como o uso de consciência, o fenômeno da alienação, uma constante histórica.

"O mais comum – diz Teixeira Coelho – é que as pessoas, numa situação de alienação, se façam uma representação de suas condições de existência e das relações que com estas mantêm – representação nem sempre pertinente. De todo modo, resta saber se as épocas e os períodos se sabem realmente modernistas ou se vêem a si mesmos como modernos, apenas" (Os grifos são de T.C.).

"Sendo uma representação, o modernismo é mais uma fabricação do que uma ação. Ambas têm um ponto de partida, mas só a fabricação conta com um plano claro para a viagem e um ponto determinado de chegada". Digamos que talvez os "grandes" modernismos, os modernismos radicais, sejam uma ação; a maioria é fabricação. Neste caso pode-se abrir uma discussão na História da Arte para saber quais os movimentos modernos de ação e de fabricação. Exemplo: o Dadaísmo seria um modernismo de ação, enquanto o Cubismo seria um modernismo de fabricação. E a Pop Art seria modernismo de ação ou de fabricação?

O leitor pode fazer a sua aposta. Quanto ao nosso modernismo, que está comemorando 80 anos da Semana de Arte Moderna (1922), não há dúvida, foi um modernismo de fabricação. Os integrantes sabiam aonde queriam chegar, desde 1917, quando Anita Malfatti expôs o Expressionismo aprendido na Alemanha, e o escritor Monteiro Lobato, pintor acadêmico e domingueiro, escreveu o famoso artigo: "Paranóia ou Mistificação", publicado em O Estado de S. Paulo, destruindo a carreira da pintora paulista.

Concluindo: se o modernismo é fabricação, a ação é a modernidade. Voltamos ao ponto de partida: o modernismo é o fato, a modernidade é a reflexão sobre o fato; e, segundo Henry Lefebvre, a modernidade é a crítica ou o esboço de crítica, menos ou mais desenvolvidos; é ainda a autocrítica, quando esta existe. É uma tentativa de conhecimento. O modernismo é a certeza e não raro a arrogância do produtor, enquanto a modernidade é a interrogação, a dúvida e a reflexão. É claro que existe muita reflexão arrogante, demasiadamente certa, mas de suas dúvidas.

A modernidade é uma ação por ser um processo de descoberta; tem um ponto de partida e um programa de trabalho, mas o ponto de chegada é incerto e desconhecido. Seu trajeto não é resultante de um projeto individual de uma só pessoa, mas da somatória ocasional, por acaso, da escolha de vários e variados projetos.

Teixeira Coelho lembra que "A modernidade, sim, poderia ser a consciência que uma época tem de si mesma (e fica evidente que toda consciência é uma modernidade) – não fosse a alienação um processo social interveniente cuja finalidade é, exatamente, evitar essa consciência de si ou gerar uma consciência de si neurotizada. O moderno é, não raro, a consciência neurotizada da modernidade". Uma tal época (será a nossa?) pensa a si mesma mais como moderna do que como modernidade; possui seus modernismos e às vezes os identifica, tem consciência de sua própria existência, mas não se pensa como modernista e sim, quase sempre, neuroticamente como moderna.

O moderno é o novo e o novo não passa da consciência neurotizada da modernidade. Moderno vem do latim vulgar modernus, de modo, quer dizer recente, da mesma forma que hodierno derivado de hodie, hoje. Essa idéia de novo e sua valorização desmedida não é uma constante na história da cultura. O novo ou o original não chamava a atenção nas culturas orientais, notadamente na China. Pelo contrário. Um pintor só era considerado bom quando conseguia copiar fielmente um mestre, portanto, ser igual a um mestre. No século XVII, os pintores eram considerados bons quando pintavam à maneira de outros grandes pintores. A partir do século XIX, com a industrialização e a mercantilização exacerbada, incluindo-se a cultura e a arte, o original (ou novo) passa a ter um valor supremo, por exigência de um mercado sempre ávido em coisas novas, diferentes, que possam, exatamente por isso, gerar mais dinheiro. O mercado tem fome de novidades e a novidade é a consciência neurotizada do novo. Portanto, o moderno é a consciência neurotizada da modernidade.

Moderno e Pós-Moderno
A experiência ambiental da modernidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais e une a espécie humana, mas de forma paradoxal, uma união sem unidade, pois despeja todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de angústia e ambigüidade. Para Nietzsche, bem como para Marx, as correntes da história moderna eram irônicas e dialéticas: o ideal cristão de integridade da alma e aspiração à verdade levou a implodir o Cristianismo. O resultado foi o que Nietzsche chamou de a morte de Deus e o advento do niilismo. A humanidade moderna se vê em meio a um enorme vazio de valores, ao mesmo tempo em que se percebe cercada de imensas possibilidades. Temos progresso, mas nos falta civilização, no sentido mais amplo da palavra.

No Fausto de Goethe, o herói é levado a um impulso de desenvolvimento, mas a este desenvolvimento associa-se um custo. Ao mesmo tempo em que Fausto consegue realizar um grande empreendimento, ao expulsar os antigos moradores de uma área e criar uma nova sociedade, ele sofre um processo de esvaziamento. É como se o processo de desenvolvimento criasse uma terra arrasada no âmago do próprio herói. O desenvolvimento é colocado por Goethe como tragédia. Construir São Petersburgo implicou em um processo semelhante de destruição criativa. Para que fosse erigida em tempo recorde aquela cidade moderna, muitas vidas humanas foram perdidas. O modernismo é atraente, envolvente e dinâmico, mas traz a destruição em sua essência.

"A moderna sociedade burguesa, uma sociedade que liberou tão formidáveis meios de produção e troca é, como a feiticeira, incapaz de controlar os poderes ocultos desencadeados por seu feitiço" – escreveu Marx.

O pós-modernismo depende de um modo particular de interpretar, experimentar e ser no mundo – o que nos leva talvez ao que seja a mais problemática faceta do pós-modernismo: seus pressupostos psicológicos quanto à personalidade, à motivação e ao comportamento. Em oposição ao modernismo, no qual predomina a alienação e a paranóia, o pós-modernismo é marcado pela esquizofrenia como desordem lingüística, como ruptura na cadeia dos significados. Quando essa cadeia se rompe, temos a esquizofrenia na forma de uma reunião de significantes distintos entre si e sem relação entre si, ou sem significados.

Diferença esquemática entre modernismo e pós-modernismo
Modernismo/ Pós-Modernismo
Simbolismo/ Dadaísmo
Forma/ Antiforma
Propósito/ Jogo
Projeto/ Acaso
Hierarquia/ Anarquia
Presença/ Ausência
Centralização/ Dispersão
Paranóia/ Esquizofrenia
Seleção/ Combinação
Significado/ Significante
Metafísica/ Ironia

Nota do Editor
Texto inédito, especialmente redigido pelo autor, para o Digestivo Cultural. Alberto Beuttenmüller é poeta, jornalista e crítico de arte (membro da AICA).


Alberto Beuttenmüller
São Paulo, 9/9/2002

PÓS-MODERNISMO (A GERAÇÃO DE 45)

"Escrever é prolongar o tempo, é dividi-lo em partículas de segundos, dando a cada uma delas uma vida insubstituível."

(Clarice Lispector)

Já consolidados a partir de 1930 , os ideais modernistas vão gradativamente se transformando, até desaparecer por completo aquela visão de ruptura com o tradicional, de destruição dos padrões vigentes. Novos caminhos são buscados, novos autores surgem.

Cada vez mais presente, em todas as obras, a realidade brasileira. Surge a Geração de 45, nova safra de escritores brasileiros.

No Brasil, a partir da segunda metade da década de 40, a ficção e a poesia apresentam um novo estilo, principalmente no que se refere ao tratamento que os escritores dão à linguagem: preocupação com o apuro formal, restauração da dignidade da linguagem e dos temas. Dentre esses escritores destacam-se:


Na prosa
* Guimaraes Rosa
* Clarice Lispector

Na poesia
João Cabral de Melo Neto

CONTEXTO HISTÓRICO:

O período que inicia na década de 40 é marcado por importantes acontecimentos mundiais.

Durante a segunda guerra mundial, de 1939 a 1945, o Brasil procura manter-se neutro. É, então, presidente do País o ditador Getúlio Vargas, que comanda o Estado Novo. Porém o ataque-surpresa dos nazistas a cinco navios mercantes brasileiros, em agosto de 1942, obriga o Brasil a abandonar a neutralidade e posicionar-se em face do conflito. Há o rompimento das relações diplomáticas e comerciais do Brasil com a Alemanha, a Itália e o Japão. Em meados de 1949, sob o comando de Mascarenhas de Morais, parte para a Itália a Força Expedicionária Brasileira. Finda a guerra, o País perde 2 mil soldados e 37 navios. Mas, com os Aliados, é vitorioso contra a opressão e a violência. Em 1945, volta a reinar a paz mundial.

Com a vitória dos Aliados ao fim da segunda grande guerra, a permanência da ditadura de Getúlio Vargas torna-se insustentável. Em 1945, o ditador renuncia e retira-se para a sua estância em São Borja (RS). A chefia da Nação é entregue ao presidente do Supremo Tribunal Eleitoral, o ministro José Linhares, até que um novo presidente fosse eleito: Eurico Gaspar Dutra.

Uma ampla anistia política assinala a redemocratização do País e formam-se, então, novos partidos.

Ecos da grande guerra e da ditadura nacional manifestam-se nos poemas de Carlos Drummond de Andrade, "A Rosa do Povo", e no livro de João Cabral de Melo Neto, "O Engenheiro", ambos publicados em 1945.

FONTE: http://br.geocities.com/dariognjr69/modernismoposmodernismo.html

Alimento ideal para um público preguiçoso

Ficamos pensando qual seria a melhor forma de começar um “post” para um blog com a finalidade de expor aos colegas de sala, ao nosso Prof. Ms. Marcelo Furlin e aos interessados em literatura e arte, nossas idéias e indagações sobre.
Discutimos quais as melhores formas de estruturar esse “post” e elaboramos diversos rascunhos de longas dissertações a fim de contribuir para o blog com uma posição crítica e engajada em nosso objeto de estudo.
Por acreditarmos que o texto do blog conota um gênero narrativo peculiar e próprio, abandonamos a modalidade dissertativa e “academicista” que havíamos tido contato ao ler os “posts” do referido blog.
Mas, se continuarmos nessa linha de pensamento, fugiremos do propósito principal; apresentar uma opinião crítica a respeito de uma determinada tendência artística, portanto, literária.
Certa vez, quando conversávamos (Jonathan e Tiago), falávamos sobre um livro que lêramos:“A insustentável leveza do ser” de Milan Kundera. Nesse livro, o autor apresenta reflexões (ainda que seja uma narrativa), a respeito do amor, do tempo, da vida e da arte.
O que suscitou-nos à discussão, foram, sobretudo, as reflexões a respeito da arte, e mais propriamente a arte “Kitsch”
Diversas definições de enciclopédias on line nos levam a acreditar que o “kitsch” nada mais é do que uma arte superficial ligada ao cotidiano, à rotina, ao brega e ao “clichê”, contrastando com as reflexões de Kundera.
Essas definições enciclopédicas cumprem seu papel sistemático, pois, analisam e descrevem as coisas por meio de termos e expressões sucintas beirando ao minimalismo assumindo por vezes uma identidade maniqueísta.
O sentido e o significado do kitsch, cremos que vai muito além dessas definições enciclopédicas e adotamos uma linha de pensamento a respeito, baseada nas reflexões de Kundera, que diz que o kitsch é uma predeterminação da arte, ou seja, que estabelece juízos preconceituosos (pré-concepção). A arte kitsch surge do pressuposto de mascarar algum fato de real expressão na sociedade onde o artista tem a finalidade de encantar a massa, daí o conceito de uma arte clichê e por vezes brega.
Corroborando o nosso pensamento, temos o Escritor Herman Broch, que afirma que o kitsch ““...apresenta-se como o alimento ideal para um público preguiçoso que deseja ter acesso a uma cultura que ele pensa ser de elite sem fazer grandes esforços para isso e até para a compreender...”.

Cecília Meireles


Influenciada pelo lirismo português e as produções parnasianas e principalmente simbolistas, Cecília Meireles produziu uma obra de rara beleza e musicalidade. As experiências de sua vida, em especial as mortes ocorridas na família, contribuiram para que as coisas do mundo fossem vistas por ela como fugazes e transitórias, levando-a a valorizar as coisas eternas.
Cecília ocupa lugar dissonante dentro da literatura modernista brasileira. Pertencendo à segunda geração modernista, sua obra destoa da época pelo grau de lusitanismo presente em seus textos.
Da mesma forma, sua obra está fortemente ligada ao Simbolismo, grande influência sofrida por ela desde os primeiros anos.
Juntando seu talento à fala voltada ao lusitanismo e o alto rigor formal do Simbolismo, fez com que ela produzisse textos com qualidades líricas de rara beleza.
Em boa parte de seus textos, a poeta deixa perceber uma atmosfera que nos faz lembrar do lirismo trovadoresco, produzido durante a Baixa Idade Média Ibérica. Dessa linha, uma outra questão que chama atenção é a efemeridade dada às coisas. Sua poesia gira, quase sempre, ao redor de elementos instáveis, etéreos.
Dessa fugacidade dos elementos derivam-se algumas das características mais importantes da poesia dela: o sonho e a solidão do ser humano; a fugacidade do tempo, que descamba em melancolia. Juntando esses elementos, temos uma das grandes linhas temáticas de Cecília: a falta de sentido da existência humana.
Sem deixar o lirismo, Cecília trabalhou também temas históricos e sociais, como é o caso de Romanceiro da Inconfidência.

Seca ou latifúndio em Morte e Vida Severina?

Morte e Vida Severina é uma peça teatral escrita por João Cabral de Melo Neto. Obra que faz parte do pós-modernismo tem um diferencial do regionalismo da 2ª geração modernista, os quais enfocaram a seca como tema das dificuldades dos sertanejos.
Ao contrário do que a grande maioria acredita o tema do Auto de Natal Pernambucano não prioriza a seca como a causadora da vida miserável do sertanejo. A seca de Morte Vida Severina e a falta de tudo e não só a falta de água. Um dos motivos que faz com que Severino (personagem principal) saia do sertão paraibano para o litoral é a falta de lugar para trabalhar e a falta de terras. Fugir para a cidade e buscar oportunidades, porém ao longo do caminho de Severino até o litoral, ele só encontra dificuldades.
Uma cena que retrata bem a questão do latifúndio e a morte de um rapaz, o qual morreu por ter terras. No caminho para o litoral Severino encontra dois homens carregando um defunto numa rede, aos gritos de “ó irmãos das almas! irmãos das almas! não fui eu que matei não!”

— E o que guardava a emboscada,
irmão das almas,
e com que foi que o mataram,
com faca ou bala?
— Este foi morto de bala,
irmão das almas,
mais garantido é de bala,
mais longe vara.
— E quem foi que o emboscou,
irmãos das almas,
quem contra ele soltou
essa ave-bala?
— Ali é difícil dizer,
irmão das almas,
sempre há uma bala voando
desocupada.
— E o que havia ele feito,
irmãos das almas,
e o que havia ele feito
contra a tal pássara?
— Ter um hectares de terra,
irmão das almas,
de pedra e areia lavada
que cultivava.
— Mas que roças que ele tinha,
irmãos das almas,
que podia ele plantar
na pedra avara?
— Nos magros lábios de areia,
irmão das almas,
os intervalos das pedras,
plantava palha.
— E era grande sua lavoura,
irmãos das almas,
lavoura de muitas covas,
tão cobiçada?
— Tinha somente dez quadros,
irmão das almas,
todas nos ombros da serra,
nenhuma várzea.


E ao longo de seu destino para encontrar-se com uma vida melhor Severino encontra muitas pedras no caminho como diz Drummond. A terra é sempre disputada, a sobrevivência é sempre procurada.
E fica claro que Severino não quer chegar a cidade por ganância, mas sim por sobrevivência, pois ele sabe que a vida no sertão não é duradoura. O grau de conscientização é elevado, a personagem tem plena conhecimento de que a segregação não existe para Severinos.

Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.


Sabe também que viver no sertão a partir dos 30 é uma vitória, pois é difícil viver em situações tão precárias, o sertanejo é massacrado pelo capitalismo, pela sociedade, pela discrepância social, por uma série de fatores que diminuem a vida desses Severinos na terra.

E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).

O conceito de João Cabral de Melo Neto é muito amplo em relação à vida no sertão, por isto, o latifúndio é tema mais importante do auto. Quando o autor sobressalta o latifúndio é para mostrar que não só a seca destrói, mas também a falta de terra. Alguns leitores ao perceberem o tema latifúndio, pediram ao autor que fizesse uma campanha pedindo a Reforma Agrária utilizando a sua obra-prima Morte e Vida Severina.