segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Um pouco mais de Graciliano Ramos...



"Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar.
Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer." (Graciliano Ramos)


TRECHO EXTRAÍDO DE VIDAS SECAS
"Fabiano ouviu os sonhos da mulher, deslumbrado, relaxou os músculos, e o saco da comida escorregou-lhe no ombro. Aprumou-se, deu um puxão à carga. A conversa de Sinhá Vitória servira muito: haviam caminhado léguas quase sem sentir. De repente veio a fraqueza. Devia ser fome. Fabiano ergueu a cabeça, piscou os olhos por baixo da aba negra e queimada do chapéu de couro. Meio dia, pouco mais ou menos. Baixou os olhos encandeados, procurou descobrir na planície uma sombra ou sinal de água. Estava realmente com um buraco no estômago. Endireitou o saco de novo e, para conservá-lo em equilíbrio, andou pendido, um ombro alto, outro baixo. O otimismo de Sinhá Vitória já não lhe fazia mossa. Ela ainda se agarrava a fantasias. Coitada. Armar semelhantes planos, assim bamba, o peso do baú e da cabeça enterrando-lhe o pescoço no corpo.
Foram descansar sob os garranchos de uma quixabeira, mastigaram punhados de farinha e pedaços de carne, beberam na cuia uns goles de água. Na testa de Fabiano o suor secava, misturando-se à poeira que enchia as rugas fundas, embebendo-se na correia do chapéu. A tontura desaparecera, o estômago sossegara. Quando partissem, a cabaça não envergaria o espinhaço de Sinhá Vitória. Instintivamente procurou no descampado indício de fonte. Um friozinho agudo arrepiou-o. Mostrou os dentes sujos num riso infantil. Como podia ter frio com semelhante calor? Ficou um instante assim besta, olhando os filhos, olhando os filhos, a mulher e a bagagem pesada. O menino mais velho esbrugava um osso com apetite. Fabiano lembrou-se da cachorra Baleia, outro arrepio correu-lhe a espinha, o riso besta esmoreceu.
Se achassem água ali por perto, beberiam muito, sairiam cheios, arrastando os pés. Fabiano comunicou isto a Sinhá Vitória e indicou uma depressão do terreno. Era um bebedouro, não era? Sinhá Vitória estirou o beiço, indecisa, e Fabiano afirmou o que havia perguntado. Então ele não conhecia aquelas paragens? Estava a falar variedades? Se a mulher tivesse concordado, Fabiano arrefeceria, pois lhe faltava convicção; como Sinhá Vitória tinha dúvidas, Fabiano exaltava-se, procurava incutir-lhe coragem. Inventava o bebedouro, descrevia-o, mentia sem saber que estava mentindo. E Sinhá Vitória excitava-se, transmitia-lhe esperanças. Andavam por lugares conhecidos. Qual era o emprego de Fabiano? Tratar de bichos, explorar os arredores, no lombo de um cavalo. E ele explorava tudo. Para lá dos montes afastados havia outro mundo, um mundo temeroso; mas para cá, na planície, tinha de cor plantas e animais, buracos e pedras.
E andavam para o Sul, metidos naquele sonho. Uma cidade grande, cheia de pessoas fortes Os meninos em escolas, aprendendo coisas difíceis e necessárias. Eles dois velhinhos, acabando-se como uns cachorros, inúteis, acabando-se como Baleia. Que iriam fazer? Retardaram-se temerosos. Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. E o sertão continuaria a mandar gente para lá. O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, Sinhá Vitória e os dois meninos."
(Graciliano Ramos - Vidas secas, pág. 130, 131,134)

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Dalton Trevisan

O Pós-Modernismo é uma escola literária com diversos autores intrigantes que descrevem as reflexões do ser humano do Século XX. Dalton Trevisan apesar de desconhecido por muitos é um destes autores e merece destaque, pois é considerado o mais pessoal inventor da prosa contemporânea deste período.
Dalton Trevisan é um contista com narrações curtas e fotográficas do cotidiano, que relata a “náusea” na vida violenta da cidade
Nasceu em Curitiba, Paraná, onde vive até hoje, avesso a vida literária. Como repórter policial vivenciou situações de violência e miséria moral e material. Estas situações são reveladas em suas obras:

• Sonata Ao Luar (1945)
• Os Domingos ou Ao Armazém de Lucas (1954)
• Novelas Nada Exemplares (1959)
• Lamentação De Curitiba (1961)
• Cemitério De Elefantes (1964)
• Morte Na Praça (1964)
• O Vampiro De Curitiba (1965)
• Desastres Do Amor (1968)
• A Guerra Conjugal (1969)
• O Rei Da Terra (1972)
• O Pássaro De Cinco Asas (1974)
• A Faca No Coração (1975)
• A Trombeta Do Anjo Vingador (1977)
• Crimes Da Paixão (1978)
• Essas Malditas Mulheres (1982)
• Meu Querido Assassino (1983)
• Ah É (1994)

Características do Autor

 A temática dos contos é sempre sobre miséria, violência e instinto sexual.
A relação homem-mulher é quase sempre a viga mestra, passando pelos temas: incesto, homossexualismo e estupro.
 A narração é muito dinâmica e intrigante.
 As personagens são pessoas anônimas em conflito, esmagadas pela sociedade.
Entre elas estão: viciados, desajustados, solitários, adolescentes e idosos.
Todas não possuem sobrenome e o nome é comum, como Maria e José.
 Crítica aos valores da burguesia
 Ironia, sarcasmo e sátira.
 Caracterização instantânea: descrição estática e caricata, como uma fotografia.
 Concisão
 Laconismo

Modernismo e Modernidade

Alberto Beuttenmüller

O modernismo é, antes de tudo, um estilo, uma linguagem, um código, um sistema de signos com normas e unidades de significação. Ou seja, implica em uma visão de mundo. Ser moderno é estar em um tempo e espaço que promete aventura, poder, crescimento, alegria, transformação do ego e do mundo ao redor, mas, ao mesmo tempo, ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que somos e sabemos. O que se disser aqui acerca de modernismo e modernidade vale também para o pós-modernismo e a pós-modernidade.

Antes vamos definir modernismo e modernidade. Modernismo é o fato; modernidade, a reflexão sobre o fato. Teixeira Coelho no seu livro Moderno Pós-Moderno (Iluminuras) nos lembra que Henri Lefebvre definia modernismo como a consciência que cada uma das gerações sucessivas teve de si mesma e a consciência que as épocas e os períodos tiveram de si mesmos. Teixeira Coelho crê que consciência é uma palavra forte demais e a substitui por representação, que se encaixa melhor, e por épocas e períodos entende-se um conjunto de pessoas, num certo espaço-tempo, e as relações estabelecidas entre elas. Representação é melhor porque não elimina, como o uso de consciência, o fenômeno da alienação, uma constante histórica.

"O mais comum – diz Teixeira Coelho – é que as pessoas, numa situação de alienação, se façam uma representação de suas condições de existência e das relações que com estas mantêm – representação nem sempre pertinente. De todo modo, resta saber se as épocas e os períodos se sabem realmente modernistas ou se vêem a si mesmos como modernos, apenas" (Os grifos são de T.C.).

"Sendo uma representação, o modernismo é mais uma fabricação do que uma ação. Ambas têm um ponto de partida, mas só a fabricação conta com um plano claro para a viagem e um ponto determinado de chegada". Digamos que talvez os "grandes" modernismos, os modernismos radicais, sejam uma ação; a maioria é fabricação. Neste caso pode-se abrir uma discussão na História da Arte para saber quais os movimentos modernos de ação e de fabricação. Exemplo: o Dadaísmo seria um modernismo de ação, enquanto o Cubismo seria um modernismo de fabricação. E a Pop Art seria modernismo de ação ou de fabricação?

O leitor pode fazer a sua aposta. Quanto ao nosso modernismo, que está comemorando 80 anos da Semana de Arte Moderna (1922), não há dúvida, foi um modernismo de fabricação. Os integrantes sabiam aonde queriam chegar, desde 1917, quando Anita Malfatti expôs o Expressionismo aprendido na Alemanha, e o escritor Monteiro Lobato, pintor acadêmico e domingueiro, escreveu o famoso artigo: "Paranóia ou Mistificação", publicado em O Estado de S. Paulo, destruindo a carreira da pintora paulista.

Concluindo: se o modernismo é fabricação, a ação é a modernidade. Voltamos ao ponto de partida: o modernismo é o fato, a modernidade é a reflexão sobre o fato; e, segundo Henry Lefebvre, a modernidade é a crítica ou o esboço de crítica, menos ou mais desenvolvidos; é ainda a autocrítica, quando esta existe. É uma tentativa de conhecimento. O modernismo é a certeza e não raro a arrogância do produtor, enquanto a modernidade é a interrogação, a dúvida e a reflexão. É claro que existe muita reflexão arrogante, demasiadamente certa, mas de suas dúvidas.

A modernidade é uma ação por ser um processo de descoberta; tem um ponto de partida e um programa de trabalho, mas o ponto de chegada é incerto e desconhecido. Seu trajeto não é resultante de um projeto individual de uma só pessoa, mas da somatória ocasional, por acaso, da escolha de vários e variados projetos.

Teixeira Coelho lembra que "A modernidade, sim, poderia ser a consciência que uma época tem de si mesma (e fica evidente que toda consciência é uma modernidade) – não fosse a alienação um processo social interveniente cuja finalidade é, exatamente, evitar essa consciência de si ou gerar uma consciência de si neurotizada. O moderno é, não raro, a consciência neurotizada da modernidade". Uma tal época (será a nossa?) pensa a si mesma mais como moderna do que como modernidade; possui seus modernismos e às vezes os identifica, tem consciência de sua própria existência, mas não se pensa como modernista e sim, quase sempre, neuroticamente como moderna.

O moderno é o novo e o novo não passa da consciência neurotizada da modernidade. Moderno vem do latim vulgar modernus, de modo, quer dizer recente, da mesma forma que hodierno derivado de hodie, hoje. Essa idéia de novo e sua valorização desmedida não é uma constante na história da cultura. O novo ou o original não chamava a atenção nas culturas orientais, notadamente na China. Pelo contrário. Um pintor só era considerado bom quando conseguia copiar fielmente um mestre, portanto, ser igual a um mestre. No século XVII, os pintores eram considerados bons quando pintavam à maneira de outros grandes pintores. A partir do século XIX, com a industrialização e a mercantilização exacerbada, incluindo-se a cultura e a arte, o original (ou novo) passa a ter um valor supremo, por exigência de um mercado sempre ávido em coisas novas, diferentes, que possam, exatamente por isso, gerar mais dinheiro. O mercado tem fome de novidades e a novidade é a consciência neurotizada do novo. Portanto, o moderno é a consciência neurotizada da modernidade.

Moderno e Pós-Moderno
A experiência ambiental da modernidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais e une a espécie humana, mas de forma paradoxal, uma união sem unidade, pois despeja todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de angústia e ambigüidade. Para Nietzsche, bem como para Marx, as correntes da história moderna eram irônicas e dialéticas: o ideal cristão de integridade da alma e aspiração à verdade levou a implodir o Cristianismo. O resultado foi o que Nietzsche chamou de a morte de Deus e o advento do niilismo. A humanidade moderna se vê em meio a um enorme vazio de valores, ao mesmo tempo em que se percebe cercada de imensas possibilidades. Temos progresso, mas nos falta civilização, no sentido mais amplo da palavra.

No Fausto de Goethe, o herói é levado a um impulso de desenvolvimento, mas a este desenvolvimento associa-se um custo. Ao mesmo tempo em que Fausto consegue realizar um grande empreendimento, ao expulsar os antigos moradores de uma área e criar uma nova sociedade, ele sofre um processo de esvaziamento. É como se o processo de desenvolvimento criasse uma terra arrasada no âmago do próprio herói. O desenvolvimento é colocado por Goethe como tragédia. Construir São Petersburgo implicou em um processo semelhante de destruição criativa. Para que fosse erigida em tempo recorde aquela cidade moderna, muitas vidas humanas foram perdidas. O modernismo é atraente, envolvente e dinâmico, mas traz a destruição em sua essência.

"A moderna sociedade burguesa, uma sociedade que liberou tão formidáveis meios de produção e troca é, como a feiticeira, incapaz de controlar os poderes ocultos desencadeados por seu feitiço" – escreveu Marx.

O pós-modernismo depende de um modo particular de interpretar, experimentar e ser no mundo – o que nos leva talvez ao que seja a mais problemática faceta do pós-modernismo: seus pressupostos psicológicos quanto à personalidade, à motivação e ao comportamento. Em oposição ao modernismo, no qual predomina a alienação e a paranóia, o pós-modernismo é marcado pela esquizofrenia como desordem lingüística, como ruptura na cadeia dos significados. Quando essa cadeia se rompe, temos a esquizofrenia na forma de uma reunião de significantes distintos entre si e sem relação entre si, ou sem significados.

Diferença esquemática entre modernismo e pós-modernismo
Modernismo/ Pós-Modernismo
Simbolismo/ Dadaísmo
Forma/ Antiforma
Propósito/ Jogo
Projeto/ Acaso
Hierarquia/ Anarquia
Presença/ Ausência
Centralização/ Dispersão
Paranóia/ Esquizofrenia
Seleção/ Combinação
Significado/ Significante
Metafísica/ Ironia

Nota do Editor
Texto inédito, especialmente redigido pelo autor, para o Digestivo Cultural. Alberto Beuttenmüller é poeta, jornalista e crítico de arte (membro da AICA).


Alberto Beuttenmüller
São Paulo, 9/9/2002

PÓS-MODERNISMO (A GERAÇÃO DE 45)

"Escrever é prolongar o tempo, é dividi-lo em partículas de segundos, dando a cada uma delas uma vida insubstituível."

(Clarice Lispector)

Já consolidados a partir de 1930 , os ideais modernistas vão gradativamente se transformando, até desaparecer por completo aquela visão de ruptura com o tradicional, de destruição dos padrões vigentes. Novos caminhos são buscados, novos autores surgem.

Cada vez mais presente, em todas as obras, a realidade brasileira. Surge a Geração de 45, nova safra de escritores brasileiros.

No Brasil, a partir da segunda metade da década de 40, a ficção e a poesia apresentam um novo estilo, principalmente no que se refere ao tratamento que os escritores dão à linguagem: preocupação com o apuro formal, restauração da dignidade da linguagem e dos temas. Dentre esses escritores destacam-se:


Na prosa
* Guimaraes Rosa
* Clarice Lispector

Na poesia
João Cabral de Melo Neto

CONTEXTO HISTÓRICO:

O período que inicia na década de 40 é marcado por importantes acontecimentos mundiais.

Durante a segunda guerra mundial, de 1939 a 1945, o Brasil procura manter-se neutro. É, então, presidente do País o ditador Getúlio Vargas, que comanda o Estado Novo. Porém o ataque-surpresa dos nazistas a cinco navios mercantes brasileiros, em agosto de 1942, obriga o Brasil a abandonar a neutralidade e posicionar-se em face do conflito. Há o rompimento das relações diplomáticas e comerciais do Brasil com a Alemanha, a Itália e o Japão. Em meados de 1949, sob o comando de Mascarenhas de Morais, parte para a Itália a Força Expedicionária Brasileira. Finda a guerra, o País perde 2 mil soldados e 37 navios. Mas, com os Aliados, é vitorioso contra a opressão e a violência. Em 1945, volta a reinar a paz mundial.

Com a vitória dos Aliados ao fim da segunda grande guerra, a permanência da ditadura de Getúlio Vargas torna-se insustentável. Em 1945, o ditador renuncia e retira-se para a sua estância em São Borja (RS). A chefia da Nação é entregue ao presidente do Supremo Tribunal Eleitoral, o ministro José Linhares, até que um novo presidente fosse eleito: Eurico Gaspar Dutra.

Uma ampla anistia política assinala a redemocratização do País e formam-se, então, novos partidos.

Ecos da grande guerra e da ditadura nacional manifestam-se nos poemas de Carlos Drummond de Andrade, "A Rosa do Povo", e no livro de João Cabral de Melo Neto, "O Engenheiro", ambos publicados em 1945.

FONTE: http://br.geocities.com/dariognjr69/modernismoposmodernismo.html

Alimento ideal para um público preguiçoso

Ficamos pensando qual seria a melhor forma de começar um “post” para um blog com a finalidade de expor aos colegas de sala, ao nosso Prof. Ms. Marcelo Furlin e aos interessados em literatura e arte, nossas idéias e indagações sobre.
Discutimos quais as melhores formas de estruturar esse “post” e elaboramos diversos rascunhos de longas dissertações a fim de contribuir para o blog com uma posição crítica e engajada em nosso objeto de estudo.
Por acreditarmos que o texto do blog conota um gênero narrativo peculiar e próprio, abandonamos a modalidade dissertativa e “academicista” que havíamos tido contato ao ler os “posts” do referido blog.
Mas, se continuarmos nessa linha de pensamento, fugiremos do propósito principal; apresentar uma opinião crítica a respeito de uma determinada tendência artística, portanto, literária.
Certa vez, quando conversávamos (Jonathan e Tiago), falávamos sobre um livro que lêramos:“A insustentável leveza do ser” de Milan Kundera. Nesse livro, o autor apresenta reflexões (ainda que seja uma narrativa), a respeito do amor, do tempo, da vida e da arte.
O que suscitou-nos à discussão, foram, sobretudo, as reflexões a respeito da arte, e mais propriamente a arte “Kitsch”
Diversas definições de enciclopédias on line nos levam a acreditar que o “kitsch” nada mais é do que uma arte superficial ligada ao cotidiano, à rotina, ao brega e ao “clichê”, contrastando com as reflexões de Kundera.
Essas definições enciclopédicas cumprem seu papel sistemático, pois, analisam e descrevem as coisas por meio de termos e expressões sucintas beirando ao minimalismo assumindo por vezes uma identidade maniqueísta.
O sentido e o significado do kitsch, cremos que vai muito além dessas definições enciclopédicas e adotamos uma linha de pensamento a respeito, baseada nas reflexões de Kundera, que diz que o kitsch é uma predeterminação da arte, ou seja, que estabelece juízos preconceituosos (pré-concepção). A arte kitsch surge do pressuposto de mascarar algum fato de real expressão na sociedade onde o artista tem a finalidade de encantar a massa, daí o conceito de uma arte clichê e por vezes brega.
Corroborando o nosso pensamento, temos o Escritor Herman Broch, que afirma que o kitsch ““...apresenta-se como o alimento ideal para um público preguiçoso que deseja ter acesso a uma cultura que ele pensa ser de elite sem fazer grandes esforços para isso e até para a compreender...”.

Cecília Meireles


Influenciada pelo lirismo português e as produções parnasianas e principalmente simbolistas, Cecília Meireles produziu uma obra de rara beleza e musicalidade. As experiências de sua vida, em especial as mortes ocorridas na família, contribuiram para que as coisas do mundo fossem vistas por ela como fugazes e transitórias, levando-a a valorizar as coisas eternas.
Cecília ocupa lugar dissonante dentro da literatura modernista brasileira. Pertencendo à segunda geração modernista, sua obra destoa da época pelo grau de lusitanismo presente em seus textos.
Da mesma forma, sua obra está fortemente ligada ao Simbolismo, grande influência sofrida por ela desde os primeiros anos.
Juntando seu talento à fala voltada ao lusitanismo e o alto rigor formal do Simbolismo, fez com que ela produzisse textos com qualidades líricas de rara beleza.
Em boa parte de seus textos, a poeta deixa perceber uma atmosfera que nos faz lembrar do lirismo trovadoresco, produzido durante a Baixa Idade Média Ibérica. Dessa linha, uma outra questão que chama atenção é a efemeridade dada às coisas. Sua poesia gira, quase sempre, ao redor de elementos instáveis, etéreos.
Dessa fugacidade dos elementos derivam-se algumas das características mais importantes da poesia dela: o sonho e a solidão do ser humano; a fugacidade do tempo, que descamba em melancolia. Juntando esses elementos, temos uma das grandes linhas temáticas de Cecília: a falta de sentido da existência humana.
Sem deixar o lirismo, Cecília trabalhou também temas históricos e sociais, como é o caso de Romanceiro da Inconfidência.

Seca ou latifúndio em Morte e Vida Severina?

Morte e Vida Severina é uma peça teatral escrita por João Cabral de Melo Neto. Obra que faz parte do pós-modernismo tem um diferencial do regionalismo da 2ª geração modernista, os quais enfocaram a seca como tema das dificuldades dos sertanejos.
Ao contrário do que a grande maioria acredita o tema do Auto de Natal Pernambucano não prioriza a seca como a causadora da vida miserável do sertanejo. A seca de Morte Vida Severina e a falta de tudo e não só a falta de água. Um dos motivos que faz com que Severino (personagem principal) saia do sertão paraibano para o litoral é a falta de lugar para trabalhar e a falta de terras. Fugir para a cidade e buscar oportunidades, porém ao longo do caminho de Severino até o litoral, ele só encontra dificuldades.
Uma cena que retrata bem a questão do latifúndio e a morte de um rapaz, o qual morreu por ter terras. No caminho para o litoral Severino encontra dois homens carregando um defunto numa rede, aos gritos de “ó irmãos das almas! irmãos das almas! não fui eu que matei não!”

— E o que guardava a emboscada,
irmão das almas,
e com que foi que o mataram,
com faca ou bala?
— Este foi morto de bala,
irmão das almas,
mais garantido é de bala,
mais longe vara.
— E quem foi que o emboscou,
irmãos das almas,
quem contra ele soltou
essa ave-bala?
— Ali é difícil dizer,
irmão das almas,
sempre há uma bala voando
desocupada.
— E o que havia ele feito,
irmãos das almas,
e o que havia ele feito
contra a tal pássara?
— Ter um hectares de terra,
irmão das almas,
de pedra e areia lavada
que cultivava.
— Mas que roças que ele tinha,
irmãos das almas,
que podia ele plantar
na pedra avara?
— Nos magros lábios de areia,
irmão das almas,
os intervalos das pedras,
plantava palha.
— E era grande sua lavoura,
irmãos das almas,
lavoura de muitas covas,
tão cobiçada?
— Tinha somente dez quadros,
irmão das almas,
todas nos ombros da serra,
nenhuma várzea.


E ao longo de seu destino para encontrar-se com uma vida melhor Severino encontra muitas pedras no caminho como diz Drummond. A terra é sempre disputada, a sobrevivência é sempre procurada.
E fica claro que Severino não quer chegar a cidade por ganância, mas sim por sobrevivência, pois ele sabe que a vida no sertão não é duradoura. O grau de conscientização é elevado, a personagem tem plena conhecimento de que a segregação não existe para Severinos.

Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.


Sabe também que viver no sertão a partir dos 30 é uma vitória, pois é difícil viver em situações tão precárias, o sertanejo é massacrado pelo capitalismo, pela sociedade, pela discrepância social, por uma série de fatores que diminuem a vida desses Severinos na terra.

E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).

O conceito de João Cabral de Melo Neto é muito amplo em relação à vida no sertão, por isto, o latifúndio é tema mais importante do auto. Quando o autor sobressalta o latifúndio é para mostrar que não só a seca destrói, mas também a falta de terra. Alguns leitores ao perceberem o tema latifúndio, pediram ao autor que fizesse uma campanha pedindo a Reforma Agrária utilizando a sua obra-prima Morte e Vida Severina.

Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou se desfaço,
- Não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno e asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.

Comparação


(trechos do livro:O que é pós-moderno, Jair Ferreira dos Santos, Ed. Brasiliense, 1987)

João Cabral de Melo Neto


"...E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina."

Morte e Vida Severina

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Pós-Modernismo

O estilo chamado Pós-Modernismo ainda não é aceito por todos os estudiosos. Alguns acreditam que após a 2ª Guerra Mundial (1945) o tempo Pós-Moderno já seria uma realidade; para outros, ainda não saímos da Modernidade (e estaríamos vivendo uma 3ª fase do Modernismo).
Na literatura brasileira podemos perceber características que se diferem do Modernismo após a década de 50. Há uma intensificam dos traços Modernistas no Movimento da Poesia Concreto e Instauração-Práxis. A transição do Modernismo para o Pós-Modernismo "se evidencia no Tropicalismo e no Movimento do Poema-Processo. Os traços pós-modernos podem ser encontrados mais acentuadamente em alguns textos da poesia marginal e na prosa de determinados autores contemporâneos" 1.
A poesia marginal é feita por jovens que buscam uma liberdade de criação e de palavras, além de uma liberdade editorial (pois publicam seus textos de forma artesanal ou em folhetos). "Por sua própria natureza, a produção 'marginal' ou 'independente' é bastante volumosa e diversificada, ainda que alguns de seus autores já tenham, em 1987, obras publicadas pelas editoras convencionais" 2. Podemos ainda citar entre os movimentos de Vanguarda do Pós-Modernismo: o Neoconcretismo, a poesia ligada à revista Tendência, a produção poética de Violão de rua e os cultores da Arte Postal.
As principais características desse estilo são: intensificação do ludismo na criação literária, utilização deliberada da intertextualidade, ecletismo estilístico, exercício da metalinguagem, fragmentarismo textual, na narrativa há uma autoconsciência e auto-reflexão, radicalização de posições anti-racionalistas e antiburguesas.
Os principais autores desse estilo literário são: Guimarães Rosa, Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto, Nelson Rodrigues, Adélia Prado, Autran Dourado, Augusto e Haroldo de Campos, João Ubaldo Ribeiro, Mário Quintana, entre outros...

1 - PROENÇA FILHO, Domício. Pós-Modernismo e Literatura. São Paulo: Ática, 1988. Pág. 52
2 - PROENÇA FILHO, Domício. Pós-Modernismo e Literatura. São Paulo: Ática, 1988. Pág. 62
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Adélia Prado

Ensinamento


Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
"Coitado, até essa hora no serviço pesado".
Arrumou pão e café , deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.



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Casamento

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.


O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.


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PROJETO DE PREFÁCIO

Sábias agudezas... refinamentos...
- não!
Nada disso encontrarás aqui.
Um poema não é para te distraíres
como com essas imagens mutantes de caleidoscópios.
Um poema não é quando te deténs para apreciar um detalhe
Um poema não é também quando paras no fim,
porque um verdadeiro poema continua sempre...
Um poema que não te ajude a viver e não saiba preparar-te para a morte
não tem sentido: é um pobre chocalho de palavras.

Mário Quintana

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DO AMOROSO ESQUECIMENTO

Eu agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?

Mário Quintana - Espelho Mágico

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AH! OS RELÓGIOS

Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...

Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.

Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.

E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida -
acaso lhes indaga que horas são...

Mário Quintana - A Cor do Invisível

terça-feira, 4 de novembro de 2008

A ARTE PÓS-MODERNA

Charles Odevan Xavier

Vamos acompanhar estas idéias e pensar a respeito:

Este texto tem como mote a composição “Bienal” de Zeca Baleiro do Cd “Vô Imbolá” (MZA). Nela o compositor maranhense disserta com ironia e bom humor sobre a temática da 23ª Bienal Internacional das Artes Plásticas de São Paulo (1996): “Desmaterialização da obra de arte no fim do milênio”. Ou seja, em que medida o quadro contemporâneo transcende a limitação da moldura. Ou o que sinaliza a crítica ao suporte tradicional. Assim, a pintura pode sair da tela e/ou o espectador é convidado a entrar na escultura.

A arte moderna tendia à militância política. Procurava cantar as glórias da tecnociência como no caso do Futurismo Italiano, ou, pelo contrário, procurava denunciar o cenário caótico da modernidade urbana do capitalismo industrial, como nas cores fortes do cubismo e do fauvismo ou na cinzenta deformação da realidade do expressionismo alemão.
A arte pós - moderna – chamada, acertadamente, por alguns teóricos de ‘arte pós - vanguarda’- renuncia a qualquer messianismo. Não quer salvar a raça humana do colapso da modernização ou propor qualquer utopia capaz de suplantar a barbárie resultante desse colapso. Desse modo, o artista pós - moderno vê-se num pêndulo entre o niilismo sinistro da morte de Deus e o narcisismo hedonista e cínico da apologia do consumo.

A arte pós - moderna aponta para um impasse do homem pós - moderno: que caminho iremos tomar daqui para frente? Num contexto em que cada vez mais pessoas se tornam coisas e coisas se tornam pessoas, como Marx previa na sua crítica ao fetichismo da mercadoria, o que propor para raça humana? Será que ainda existem propostas plausíveis ou viáveis? A impressão que se tem ao visitar as exposições do Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar (Fortaleza - Brasil) é de que o homem não tem mais nenhum projeto aglutinante e de que a arte atual é, ou seria, a própria celebração desse atomismo.

Há um aspecto, entretanto, que tem de ser evidenciado na arte contemporânea e sua tendência à ruptura com o suporte. Seria o caráter não - comercial desta arte. Qual burguês irá comprar as esponjas de aço enferrujadas da artista - plástica gaúcha Elida Tessler? E isso é muito bom, numa época em que os executivos americanos dizem tudo estar à venda, inclusive, a dignidade humana.

Portanto, percebo um potencial subversivo na arte atual. Que é o de revelar a insustentabilidade do projeto civilizatório moderno. Negando a sociedade produtora de mercadorias e sua sociabilidade viciada quando produz “trambolhos” que não podem ser empendurados na parede ou que sujariam as estantes dos apartamentos burgueses.

Mestrando em Letras pela UFC. charlesodevan@bol.com.br


QUER VER ESTA ARTE PÓS MODERNA?
CONTINUE COM A GENTE , NÓS MOSTRAMOS!!!!


O Pós Moderno em arquitetura








A ARTE EM QUALQUER LUGAR!



O ciberespaço vem suscitando uma série de debates acerca de sua natureza. De um lado, pensadores defendendo as novas tecnologias como um ambiente propício, fecundo e benéfico para as transformações da sociedade contemporânea. No lado oposto do front, autores apocalípticos atacando - com suas lanças em forma de palavras - os terrores advindos de uma relação homem-máquina, promovendo, desse modo, uma Cruzada nada medieval.
Será esse o Futuro do Pós-Moderno ou o Pós-Moderno no Futuro?


Cores vibrantes, caminhos infinitos, claros ou não, o que importa é:
Descubra os animais!! As duas espécies!

FAUNA - Andruchak



SUAVIDADE
LUZ
TRANQUILIDADE




ATÉ A MODA MUDOU, MUDOU A MODA TAMBÉM



Ainda bem que alguém gosta de rosa, não é?

****************************************************
Nossos caminhos não se encerram aqui, nós temos coisas ainda para ver e ler, vamos mostrar!! Continue com a gente!!

sábado, 1 de novembro de 2008

Aonde?


Ando a chamar por ti, demente, alucinada,
Aonde estás, amor? Aonde… aonde… aonde?…
O eco ao pé de mim segreda… desgraçada…
E só a voz do eco, irônica, responde!
Estendo os braços meus! Chamo por ti ainda!
O vento, aos meus ouvidos, soluça a murmurar;
Parece a tua voz, a tua voz tão linda
Cantando como um rio banhado de luar!
Eu grito a minha dor, a minha dor intensa!
Esta saudade enorme, esta saudade imensa!
E Só a voz do eco à minha voz responde…
Em gritos, a chorar, soluço o nome teu
E grito ao mar, à terra, ao puro azul do céu:
Aonde estás, amor? Aonde… aonde… aonde?…
Florbela Espanca

Numa reflexão ao poema Aonde?
Escrevi...
Aonde estás?



Nestes belos versos que leio
Identifico a mesma dor
Na tristeza e saudades que sinto
Pela ausência do meu grande amor.

Cada frase toca minha alma
Em pranto tento escrever
O que sinto neste momento
A dor que consome o meu viver!

Como Florbela grito teu nome
E só o eco irônico faz responder!
Ouço tua voz tão linda
Que jamais poderei esquecer...


Aonde? Aonde estás amor?
Eu também preciso saber!!!


Leila Salles

JOÃO GUIMARÃES ROSA


(1908-1967)

Grande renovador da prosa de ficção, João Guimarães Rosa marcou profundamente a literatura brasileira. Nascido na cidade de Cordisburgo (MG) formou-se em Medicina na cidade de Belo Horizonte (1930). Após clinicar algum tempo nos confins do Estado mineiro, onde aprendeu os segredos e as falas do sertão que marcariam sua obra, entrou para a carreira diplomática (1934), indo servir em Hamburgo, Baden-Baden, Lisboa, Bogotá e Paris. Dividido entre a literatura e a carreira diplomática, fez longas viagens pelo interior de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Bahia, anotando os maneirismos de fala de jagunços, vaqueiros, prostitutas e beatas colhidos em conversas. Assim revolucionou a prosa brasileira e foi aclamado pelo público e pelos críticos ao escrever seu primeiro livro de contos: Sagarana (1946).

Combinando o erudito com o arcaico e com as expressões populares, transformou a semântica, subverteu a sintaxe e apresentou ao leitor quase um novo idioma para contar as histórias da gente do sertão. Mais tarde publicou Corpo de Baile (1956), um conjunto de sete novelas, e o livro mais polêmico da literatura brasileira do século XX – Grande Sertão: Veredas (1956). Na construção da personagem principal (Riobaldo), fundiu o cotidiano com o requintado, o regional com o erudito, o folclore com a cultura livresca, o real com o fantástico e superou o regionalimo ao compor, numa narrativa épico-mítica, a própria condição humana. Ainda vieram Primeiras Histórias (1962), reunindo 21 contos curtos, e Tutaméia (1967), conjunto de 40 contos. Faleceu no Rio de Janeiro, três dias depois de tomar posse na Academia Brasileira de Letras. Posse esta que sempre adiara, temendo a emoção de vestir o fardão da Academia.

Fonte: http://biografias.netsaber.com.br

Soneto da Saudade (Guimarães Rosa)


Quando sentires a saudade retroar
Fecha os teus olhos e verás o meu sorriso.
E ternamente te direi a sussurrar:
O nosso amor a cada instante está mais vivo!
Quem sabe ainda vibrará em teus ouvidos
Uma voz macia a recitar muitos poemas...
E a te expressar que este amor em nós ungido
Suportará toda distância sem problemas...

Quiçá, teus lábios sentirão um beijo leve
Como uma pluma a flutuar por sobre a neve,
Como uma gota de orvalho indo ao chão.
Lembrar-te-ás toda a ternura que expressamos,
Sempre que juntos, a emoção que partilhamos ...
Nem a distância apaga a chama da paixão.

Momento histórico da terceira geração modernista brasileira & Tendências contemporâneas (1945–1978)

Considera-se 1945, ano da deposição de Getúlio Vargas, o início de um novo período político-social em nosso país. Trata-se de um era de “democratização”, que se estende até 1964, quando ocorre o Golpe Militar.





Nesses quase vinte anos, os fatos históricos que se sucedem fazem parte de nossa memória nacional mais recente: o fim do Estado Novo (1945), o afastamento temporário de Getúlio da vida política (1945–1950), seu retorno (1951–1954), a presidência de Juscelino Kubitschek (1956-1961), a fundação de Brasília, nova capital do país (1960), as presidências de Jânio Quadros (1961) e de João Goulart (1961–março de 1964).
Adotando modelos políticos populistas, o Brasil tenta encontrar os rumos de seu desenvolvimento. Apesar da grande abertura ao capital estrangeiro proporcionada pelo Plano de Metas do governo Juscelino, será apenas na fase seguinte, com a ditadura militar (1964-1978), que se consolidará o modelo econômico assentado no Estado, nas multinacionais e no capital nacional.
Em 1979, co a pose do presidente Figueiredo, é assinado o decreto de anistia aos presos políticos, implementa-se a reforma partidária e tem início o processo de redemocratização do país.
O Tema e a ideologia do desenvolvimento dão cores esquerdizantes ao nacionalismo, bandeira vinculada à direita nos anos 20.
Nesse contexto, renova-se o gosto pela arte regional e popular, cujo potencial revolucionário torna-se objeto de grande atenção. Em contrapartida, as camadas conservadoras reagem sistematicamente contra as manifestações políticas nacionais-populistas.
No cenário internacional do pós-guerra, a Guerra Fria e a ameaça atômica predominam a partir de 1945, dividindo o mundo em sistemas que mutuamente se hostilizam.
Nessa oscilação entre enfatizar o nacional e reprimi-lo, entre resgatar o passado e descobrir o futuro, entre a consideração eminentemente política da necessidade de testemunhar o momento político presente e uma aura quase mítica de entusiasmo generalizado pela mídia e pela máquina – dois fetiches ligados à explosão industrial dos anos 60 tanto na Europa quanto nos Estados Unidos -, nasce o que alguns chamam de “fim do Modernismo” e, outros, de “Neo-Modernismo”.
Trata-se da geração de 45, que passaremos a conhecer.

FATOS HISTÓRICO

 Fim do Estado Novo (1945).
 Retorno de Getúlio Vargas à presidência (1951-1954).
 Mandato de Juscelino Kubitschek (1956-1961).
 Fundação de Brasília, nova capital política do país (1960).
 Jânio Quadros na presidência (1961).
 João Goulart na presidência (1961-março de 1964).
 Ditadura Militar (1964-1978).
 Redemocratização (de 1979 até nossos dias).

1945-1963: período democrático.

 Predominância de modelos políticos populistas.
 O nacionalismo como bandeira esquerdizante.
 Nacional –desenvolvimento X reação de classes conservadoras.
 Interesse pela cultura popular X cosmopolitismo.

1964-1978: Ditadura militar.

 Fim das liberdades democráticas.
 Novo modelo econômico: o “milagre brasileiro” (o Estado, as multinacionais e o capital nacional).

1979: Anistia.


Características literárias da terceira geração modernista brasileira

Do ponto de vista literário, esta geração representa um retrocesso em relação às conquistas de 22: ela propõe uma volta ao passado, com a revalorização da rima, da métrica, do vocabulário erudito e das referências mitológicas.
A geração de 45 é, nesse sentido, passadista, acadêmica, inexpressiva em termos de grandes autores e grandes obras, mesmo abordando temas contemporâneos. Por outro lado, coube a ela introduzir, muito positivamente, uma nova cultura internacional nas letras brasileiras. Autores como Rainer Maria Rilke, Ezra Pound, T. S. Eliot, Fernando Pessoa, Paul Valéry, Frederico Garcia Lorca influenciaram-na significativamente.
Domingos Carvalho da silva Alphonsus de Guimarães Filho, Péricles Eugênio da silva Ramos e Ledo Ivo constituem alguns dos principais representantes da geração de 45.
Em contraposição a esta produção passadista, três grandes escritores se sobressaem João Guimarães Rosa e Clarice Lispector, na prosa, e João Cabral de Melo Neto, que chegou a pertencer à geração de 45, na poesia.
Além de praticarem a literatura como constante pesquisa de linguagem, como expressão artística caracterizada preocupação formal e estética, tais criadores têm em comum o senso do compromisso entre arte e realidade, o engajamento do escritor e de sua obra na vida social.
Assim, retomam a perspectiva nacionalista da primeira fase do Modernismo – a geração de 22 - e também a perspectiva universalista da segunda fase – a geração de 30.
Podem-se considerar os três autores uma síntese de ambas as gerações, já que ao experimentalismo da primeira acrescentam a maturidade artística da segunda, unindo, também, nacionalismo e universalismo.
A sutileza do elo entre a fala e o texto transfigurados das narrativas mitopoéticas de Guimarães Rosa, o diálogo com as fronteiras do indizível nos romances e contos introspectivos de Clarice Lispector e a precisão arquitetônica, substantiva, da poesia de João Cabral retoma e fecunda as experiências modernistas desenvolvidas no país.
Simultaneamente, podemos ver esses autores como alicerce de nossa produção literária contemporânea, seja na vertente mais ligada à exploração dos limites da palavra poética, exemplificada pela poesia concretista das décadas de 1950 e 1960, seja na busca de engajamento, Gullar, Thiago de Melo e muitos outros.
Também entre contistas e romancistas da atualidade – como Lígia Fagundes Telles, José Cândido de Carvalho, Fernando Sabino, Murilo Rubião, Dalton Trevisan, Cony, Autran Dourado, Dionélio Machado e João Ubaldo Ribeiro – verificamos ressonâncias dos escritores de 45, especialmente por meio de uma ficção intimista que se ocupa em escavar os conflitos do homem em sociedade, tendo como horizonte provocar uma contínua reflexão, em seus inúmeros matizes, sobre a vida moderna.
A esses novos criadores – não podemos deixar de lembrar – somam-se aqueles que os antecederam q que se tornaram vozes definitivas da literatura brasileira e universal. Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Oswald de Andrade e Graciliano Ramos constituem exemplos de menção imprescindível neste rápido balanço de nossa produção literária moderna e contemporânea.

Principais características da terceira geração modernista brasileira, a geração de 45

 Retrocesso em relação às conquistas de 22.
 Volta ao passado: revalorização da rima, da métrica, do vocabulário erudito e das referências mitológicas.
 Passadismo, academicismo.
 Introdução de uma nova cultura internacional nas letras brasileiras.
 Os grandes criadores de 45, que retomam e fecundam as experiências desenvolvidas no país
 Prosa João Guimarães Rosa e Clarice Lispector.
 Poesia: João Cabral de Melo Neto.
 Literatura: constante pesquisa da linguagem + senso do compromisso entre arte e realidade, engajamento.
 Síntese de ambas as gerações: experimentalismo + maturidade artística; nacionalismo + universalismo.
 Guimarães Rosa: narrativas mitopoéticas, que resgatam a sutileza do elo entre a fala e o texto literário.
 Clarice Lispector: romances e contos introspectivos, que dialogam com as fronteiras do indizível.
 João Cabral: poesia que associa compromisso social e precisão arquitetônica, substantiva.

Fonte: Livro Português Novas Palavras Literatura/Gramática/Redação
Autores: Emília Amaral, Mauro Ferreira, Ricardo Leite, Severiano Antônio
Editora: FTD Págs. 294 - 297

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Vida sem Luz



O Sol que iluminava meus dias,
Hoje não nasceu...
Não consigo ver a Luz...
Tudo escureceu...
Minha alma sangra,
Grita de dor...
Você minha Doce Fantasia,
Dilacerou o meu amor.


Preciso de Você


Meus dias não têm mais alegria,
O som da sua voz tudo coloria...
Bastava-me apenas ouvir Bom Dia!
E agora neste silêncio que grita
Meu coração triste palpita
Implora querendo de você saber
Volta amor ...
Preciso de você.


Inatingível

Amo, te amar...
Inatingível, ter te....jamais.
Tua alma não posso tocar,
Te encontrei tarde demais.


Leila Salles

* Exuberante Pássaro *


Pássaro de bela plumagem
e de beleza rara
que voa livre e que livre voa...

Pousa nos jardins
enfarta-se de comida farta
banha-se em frescas águas
em águas frescas, sacia sua sede.

E como um Rei, impõe-se diante da natureza
e entoa com encanto seu puro canto
que ecoa pelo Ar...

Logo se faz notar
meigo e dócil vai ficando, vai ficando...
deixa-se aprisionar

Mas com o passar do tempo
olha o céu azul...
sente saudade da brisa fresca
sente saudade de voar!!!

Inquieto busca a saída;
só então percebe a Liberdade Perdida!
resignado deixa-se ficar.

Vai Pássaro, busca o céu azul...
Voa livre, pousa nos jardins...
nasceu pra voar, cantar,e encantar.

Ninguém poderá o aprisionar
porque você é assim !!!
Exuberante Pássaro!

Que Voa livre...
e que livre voa...
e pousa nos Jardins...



Leila Salles

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Obra de Clarice Lispector traz novo olhar sobre o Brasil das décadas de 1950 e 60



As personagens e histórias dos contos de Laços de Família, de Clarice Lispector, dizem muito sobre as contradições da sociedade brasileira da época em que o livro foi escrito. A dissertação Linguagem e melancolia em "Laços de Família": histórias feitas de muitas histórias, defendida pelo pesquisador Moacyr Vergara de Godoy Moreira na Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP em agosto de 2007, buscou justamente contribuir para o entendimento do período (décadas de 1950 e 1960) por meio de uma abordagem sociológica desta literatura.

“Parte da historiografia coloca o Brasil dos anos 1950 e 1960 como um país progressista. Quando olhamos para os conflitos expostos na obra de Clarice Lispector vemos que não é bem assim”, explica o pesquisador. Moreira recorreu ao texto literário para acessar um conteúdo que nem sempre outras disciplinas encontram e viu vir à tona um País permeado por elementos de patriarcalismo, opressão da mulher, racismo e preconceito social. Tais elementos se situam em termos contraditórios ao desenvolvimentismo econômico e à liberalização pelos quais o período é conhecido por muitos.

Como exemplo do conservadorismo, destaca um trecho do conto A imitação da rosa:

“Seu rosto tinha uma graça doméstica, os cabelos eram presos com grampos atrás das orelhas grandes e pálidas. Os olhos marrons, os cabelos marrons, a pele morena e suave, tudo dava a seu rosto já não muito moço um ar modesto de mulher. Por acaso alguém veria, naquela mínima ponta de surpresa que havia no fundo de seus olhos, alguém veria nesse mínimo ponto ofendido a falta dos filhos que ela nunca tivera?”.

Moreira explica que “há, aqui, uma crítica a um elemento da sociedade patriarcal, que é ver a mulher como meramente um ser reprodutor, responsável por dar herdeiros ao marido, além de cuidar dos afazeres do lar”.

E para exemplificar a crítica ao racismo, cita um trecho do conto A menor mulher do mundo:

“Entre mosquitos e árvores mornas de umidade, entre as folhas ricas do verde mais preguiçoso, Marcel Pretre defrontou-se com uma mulher de quarenta e cinco centímetros, madura, negra, calada. ‘Escura como um macaco’ (...) – A senhora já pensou, mamãe, de que tamanho será o nenezinho dela? - disse ardente a filha mais velha de treze anos. O pai mexeu-se atrás do sofá. – Deve ser o bebê preto menor do mundo - respondeu a mãe, derretendo-se de gosto. – Imagine só ela servindo a mesa aqui em casa! E de barriguinha grande!”.

“Encontramos também personagens que passam por situações inusitadas, mas que voltam sempre à mesma situação de opressão – aspecto sobre o qual podemos fazer uma analogia com a história do Brasil, país que passa por sucessivos ‘traumas’ (exploração colonial, escravidão, ditadura Vargas e Regime Militar) – conceito de Renato Janine Ribeiro – mas não apresenta uma força de mudança suficiente para alterar as estruturas".

O enfoque escolhido por Moreira para estudar Clarice Lispector, por meio da sociologia da literatura, ainda não é tão comum quanto outras linhas usadas na reflexão sobre os textos da escritora. ”Nas décadas de 70 a 80 tivemos um predomínio da abordagem feminista, seguida do recurso à psicanálise nas décadas de 80 a 90. A partir dos anos 90, começamos a encontrar trabalhos que privilegiam a visão da literatura de Clarice como uma interface de crítica à sociedade da época”, explica.

Ele ressalta também a importância de a academia reconhecer os múltiplos valores da obra de Clarice Lispector, ainda vista com ressalvas por parte dos teóricos mais conservadores. “Alguns estudiosos com os quais conversei estranharam a minha opção pela Clarice Lispector para trabalhar com esta temática. Numa destas ocasiões, li um trecho de Laços de Família em voz alta e percebi que a pessoa ficou surpresa com o conteúdo – o que demonstra claramente que grande parte desta resistência à escritora provém de preconceito, de idéias não amparadas num conhecimento da obra dela, e também de machismo, com a crítica de que seus livros não passariam de ‘caderninhos de mulherzinha’ ”, conta o pesquisador.

Uma linguagem estranha

Além dos aspectos sociológicos, a dissertação buscou uma reflexão estética sobre a linguagem utilizada pela autora. Erroneamente considerada por muitos uma escritora ‘ilegível’ por adotar o fluxo de pensamento em seus textos, Clarice Lispector escreveu muitas obras ligadas a temas do cotidiano mais concreto, como é o caso do livro estudado.

Mesmo assim, o leitor se depara com frases que geram algum estranhamento. Mas o incômodo provocado é proposital, como explica o pesquisador: “Segundo o filósofo Theodor Adorno, toda vez que uma obra de arte rompe com a expectativa causa um estranhamento em quem a aprecia. Para ele, tal incômodo é a única forma possível de tirar as pessoas da reificação (perda do seu caráter humano, transformação em ‘coisa’), fazendo-as refletir e criticar sua própria maneira de viver”.

Mais informações: Moacyr Moreira, e-mail moreiramoa@hotmail.com. Pesquisa orientada pelo professor Jaime Ginzburg.

sábado, 25 de outubro de 2008

O super-realismo de Guimarães Rosa

Lançado há exatos 50 anos, Grande sertão: veredas – obra-prima do escritor mineiro – contém uma genialidade difícil de definir, uma percepção do mundo físico e humano originalíssima e uma grande capacidade de invenção lingüística, destaca o crítico Antonio Candido

A linguagem de Guimarães Rosa parece criar uma outra realidade, porque, nela, a palavra ganha uma espécie de transcendência, como se valesse por si mesma. Na obra do escritor mineiro, a palavra é criadora e transcende a matéria narrada. Essa análise é do crítico Antonio Candido de Mello e Souza, professor aposentado de Teoria Literária e Literatura Comparada da USP. Segundo Candido, a originalidade de Rosa impediu que os autores posteriores fossem influenciados por ele em sua maneira de escrever, ao contrário de Machado de Assis e Graciliano Ramos. “Estes, de certo modo, trabalharam dentro dos cânones da prosa literária de nossa língua”, diz Candido. “No caso de Guimarães Rosa isso não me parece possível. Não o vejo exercendo influência criadora, porque a sua marca é tão peculiar que transforma a influência em servidão.”



Candido esteve na abertura do Seminário Internacional Grande sertão: veredas e Corpo de baile – 50 anos, que o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP realizou em 2006 no Auditório do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Para falar da obra de Guimarães Rosa, Candido recebeu os jornalistas Natalia Engler Prudencio e Paulo Favero, da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP, e deu a seguinte entrevista:

Grande sertão: veredas é considerado um marco da literatura brasileira. Em sua opinião, quais são as características que tornam essa obra tão única no panorama literário brasileiro?
Antonio Candido – Antes de mais nada, é preciso mencionar a genialidade do autor, que sentimos mas não somos capazes de definir. Depois vem a sua percepção originalíssima do mundo físico e humano, mas, sobretudo, a extraordinária capacidade de invenção lingüística.

Candido esteve na abertura do Seminário Internacional Grande sertão: veredas e Corpo de baile – 50 anos, que o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP realizou em 2006 no Auditório do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Para falar da obra de Guimarães Rosa, Candido recebeu os jornalistas Natalia Engler Prudencio e Paulo Favero, da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP, e deu a seguinte entrevista:
Grande sertão: veredas é considerado um marco da literatura brasileira. Em sua opinião, quais são as características que tornam essa obra tão única no panorama literário brasileiro?
Antonio Candido – Antes de mais nada, é preciso mencionar a genialidade do autor, que sentimos mas não somos capazes de definir. Depois vem a sua percepção originalíssima do mundo físico e humano, mas, sobretudo, a extraordinária capacidade de invenção lingüística.


O que significa esse livro na trajetória do autor?
Candido– Penso que, na obra de Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas é o ponto mais alto. Ele me disse, uma vez, que eu era injusto com as novelas de Corpo de baile, tão boas, segundo ele, quanto Grande sertão: veredas. Mas continuo achando que este é mesmo a sua obra-prima, superior ao que escreveu antes e ao que escreveu depois.

Em seu ensaio “O homem dos avessos”, o senhor declara que em Grande sertão: veredas há de tudo para quem souber ler. O que significa exatamente essa afirmação?
Candido- Se lembro bem (faz meio século), eu queria dizer que Grande sertão: veredas é desses livros inesgotáveis, que podem ser lidos como se fossem uma porção de coisas: romance de aventuras, análise da paixão amorosa, retrato original do sertão brasileiro, invenção de um espaço quase mítico, chamada à realidade, fuga da realidade, reflexão sobre o destino do homem, expressão de angústia metafísica, movimento imponderável de carretilha entre real e fantástico e assim por diante.

A obra de Guimarães Rosa é vista, muitas vezes, como sendo ao mesmo tempo regionalista e universal. Como esse paradoxo pode existir nela?
Candido- No regionalismo brasileiro predominaram inicialmente o pitoresco e, não raro, o anedótico, numa espécie de exotismo interno. Bem mais tarde houve uma forte injeção de naturalismo radical. Em ambos os casos o mais importante eram os temas, e a linguagem parecia sobretudo veículo. A propósito da maneira personalíssima de Guimarães Rosa, falei há muito tempo em “super-realismo”, porque ele elabora o regional por meio de um experimentalismo que o aproxima do projeto das vanguardas. Nele não há pitoresco ornamental, nem realismo imitativo, nem consciência social e, sobretudo, a dimensão temática é menos importante do que a dimensão lingüística, que parece criar uma outra realidade, porque a palavra ganha uma espécie de transcendência, como se valesse por si mesma. Quer dizer que ele não apenas sugere o real de um modo nada realista, mas elabora estruturas verbais autônomas. Nele a palavra é criadora por si mesma e transcende a matéria narrada. Por isso Grande sertão: veredas transforma o particular da região num universo sem limites, que exprime não apenas o sertanejo, mas o “homem humano”, para falar como Riobaldo. Guimarães Rosa é um caso supremo de certas tendências da ficção latino-americana de vanguarda, que o crítico uruguaio Angel Rama definiu muito bem, ao mostrar que elas realizaram um extraordinário paradoxo: fundir o regionalismo, conservador por natureza, porque ligado ao mundo arcaico, com as linguagens modernistas, plantadas no presente e voltadas para o futuro. A supremacia de Guimarães Rosa nesse processo me foi sugerida por um eminente escritor cubano, Cintio Vitier, que há muitos anos me disse o seguinte em Havana: “Se pusermos num prato da balança toda a produção do boom hispano-americano e no outro prato Grande sertão: veredas, este segundo prato pesará muito mais”.

Na época do lançamento de Grande sertão: veredas os críticos se dividiram entre os que falavam de simples cópia da linguagem popular e os que registravam um preciosismo erudito. Onde se situa a linguagem de Guimarães Rosa?
Candido- Não me lembro dessa divisão de opiniões. Lembro que Grande sertão: veredas foi recebido em geral com apreço e consciência do que significava, salvo gafes de um ou outro crítico, como aquele que o considerou um mero livro regionalista a mais. Na minha lembrança ficaram as posições compreensivas, como a de Cavalcanti Proença, que viu logo o caráter criador da sua linguagem, ao mesmo tempo tradicional e moderna, popular e erudita. Além de assinalar as analogias com temas medievais, Proença registrou a rara capacidade de criação vocabular de Guimarães Rosa, inclusive analisando com muita percepção os seus extraordinários neologismos.

De que forma essa linguagem influenciou escritores e intelectuais das gerações posteriores?
Candido- Faz muitos anos que perdi contacto com a produção literária brasileira do nosso tempo, de modo que não saberia responder especificamente. De modo geral, lembro que escritores como Machado de Assis ou Graciliano Ramos podem influenciar em sentido positivo a maneira de escrever dos mais moços, porque de certo modo trabalharam dentro dos cânones da prosa literária de nossa língua. É possível inspirar-se neles sem perder a personalidade. No caso de Guimarães Rosa, isso não me parece possível. Ele pode ser admirado até o fanatismo, como acontece, mas não o vejo exercendo influência criadora, porque a sua marca é tão peculiar que transforma a influência em servidão. Por isso, em relação à sua prosa talvez só caibam exercícios de imitação consciente e programada, como uma espécie de homenagem, num espírito parecido ao que os franceses chamam “ao modo de”. Lembro, a propósito, que meu irmão Roberto de Mello e Souza publicou duas novelas muito interessantes que são imitações intencionais desse tipo, ambas consistindo em transpor com linguagem roseana narrativas medievais para o interior de Minas Gerais, onde fomos criados: A tisana, transposição da lenda de Tristão e Isolda, e O pão de cará, transposição da “procissão do Gral”, segundo Chrétien de Troyes.

O que é o sertão na obra de Guimarães Rosa?
Candido- Em Grande sertão: veredas é um mergulho profundo na realidade essencial de certo Brasil arcaico e, ao mesmo tempo, no vasto mundo de todos os homens.

Fonte:Jornal da USP 21 de maio de 2006.

Pós-Modernismo

O Pós-Modernismo se insere no contexto dos extraordinários fenômenos sociais e políticos de 1945. Foi o ano que assistiu ao fim da Segunda Guerra Mundial e ao início da Era Atômica, com as explosões de Hiroshima e Nagasaki.

O mundo passa a acreditar numa paz duradoura. Cria-se a Organização das Nações Unidas (ONU) e, em seguida, publica-se a Declaração dos Direitos do Homem. Mas, logo depois, inicia-se a Guerra Fria.

Paralelamente a tudo isso, o Brasil vive o fim da ditadura de Getúlio Vargas. O País inicia um processo de redemocratização. Convoca-se uma eleição geral e os partidos são legalizados. Apesar disso, abre-se um novo tempo de perseguições políticas, ilegalidades e exílios.

A literatura brasileira também passa por profundas alterações, com algumas manifestações representando muitos passos adiante; outras, um retrocesso. O jornal "O Tempo", excelente crítico literário, encarrega-se de fazer a seleção.

INTIMISMO

A prosa, tanto nos romances como nos contos, aprofunda a tendência já trilhada por alguns autores da década de 30, em busca de uma literatura intimista, de sondagem psicológica, introspectiva, com destaque para Clarice Lispector.

Ao mesmo tempo, o regionalismo adquire uma nova dimensão com a produção fantástica de João Guimarães Rosa e sua recriação dos costumes e da fala sertaneja, penetrando fundo na psicologia do jagunço do Brasil central.

Na poesia, ganha corpo, a partir de 1945, uma geração de poetas que se opõe às conquistas e inovações dos modernistas de 1922.

A nova proposta foi defendida, inicialmente, pela revista Orfeu, cujo primeiro número é lançado na "Primavera de 1947" e que afirma, entre outras coisas, que "uma geração só começa a existir no dia em que não acredita nos que a precederam, e só existe realmente no dia em que deixam de acreditar nela."

Essa geração de escritores negou a liberdade formal, as ironias, as sátiras e outras "brincadeiras" modernistas. Os poetas de 45 partem para uma poesia mais equilibrada e séria", distante do que eles chamavam de "primarismo desabonador" de Mário de Andrade e Oswald de Andrade.

A preocupação primordial era quanto ao restabelecimento da forma artística e bela; os modelos voltam a ser os mestres do Parnasianismo e do Simbolismo.

Esse grupo, chamado de Geração de 45, era formado, entre outros poetas, por Lêdo Ivo, Péricles Eugênio da Silva Ramos, Geir Campos e Darcy Damasceno.

O final dos anos 40, no entanto, revelou um dos mais importantes poetas da nossa literatura, não filiado esteticamente a qualquer grupo e aprofundador das experiências modernistas anteriores: ninguém menos que João Cabral de Melo Neto.

Contemporâneos a ele, e com alguns pontos de contato com sua obra, destacam-se Ferreira Gullar e Mauro Mota.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O que é Pós-Modernismo?

Vem comigo que no caminho eu explico...




Pós-modernismo é a denominação aplicada às mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas sociedades avançadas desde 1950 até os dias de hoje, quando, por convenção, se encerrou o modernismo.


O pós-modernismo tem como algumas características a invasão da tecnologia, a revolução da comunicação e a informática. Na economia, tem o poder de seduzir os indivíduos para fins de consumo.
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Vivendo num mundo de signos, prefere-se a imagem ao objeto, o simulacro ao real, o hiper-realismo, que expressa a perplexidade contemporânea.



Em relação à arte: os artistas pós-modernos utilizam materiais mais naturais, sendo uma arte eclética e fragmentada, se estruturando no pastiche.
A Arte Pop dos anos 70, convertida em antiarte, é lançada nas ruas com linguagem assimilável, dando valor artístico à banalidade cotidiana, se apoiando nos objetos, na matéria, no momento e no riso.
Na arte pós-moderna a fragmentação da narrativa e a intertextualidade são aspectos marcantes, junto ao pastiche.


Adeus às ilusões
O pós-modernismo está associado à negação do pensamento ocidental e ao niilismo, gerando um indivíduo apático socialmente e dando adeus às ilusões. O pós-modernismo passa a dar valor a tudo que se refere a sensações, como escapismo para algum tipo de sentido além da realidade.

A massa fria com Narciso no trono
O indivíduo pós-modernista é consumista, hedonista e narcisista, se preocupando com o presente. Isso é um problema que o pós-modernismo trouxe, devido ao alto grau de sofisticação dos arsenais de sedução e domínio, obrigando o sujeito a consumir. A quantidade de informações, na maioria das vezes inúteis, estão produzindo cidadãos passivos, desmobilizados e despolitizados, meio vegetais diante da mídia, inseguros e de vontades determinadas pelas suas necessidades mais imediatas. Nesse emaranhado de informações, valores e tendências, dispersas nas mais opções oferecidas ao indivíduo, a idéia é de que o mundo está sem limites e de que o paraíso é o passageiro prazer de cada novidade do consumo.
Para o pós-modernismo, só o presente conta, com a deserção da História, do político e do ideológico, do trabalho, da família e da religião. O sujeito pós-moderno é indiferente à política, não crê no valor moral nem da realização pessoal relacionada ao trabalho, está cada vez mais descrente e menos religioso. Com esse neo-individualismo, o sujeito indivíduo narcisista é atingido pela dessubstancialização do sujeito, uma falta de identidade. No mundo pós-moderno, objetos e informação são descartáveis, produzindo personalidades também descartáveis e apáticas, com os modismos tomando lugar dos grandes valores ocidentais.

Demônio terminal e anjo anunciador
A sensação do indivíduo pós-moderno é de irrealidade, niilismo e confusão. O mundo atual é representado por simulacros, informação, consumo, individualismo. Nada tem identidade definitiva.



CONCLUSÃO
Pós-modernismo é uma síntese de todos os conteúdos da contemporaneidade, que surgiu primeiro no cenário artístico e ganhou terreno, espalhando-se em todas as áreas. Pode-se também defini-lo pelos seus três ideais: o individualismo, o pós-dever e o narcisismo hedonista.
Nascendo com a arquitetura e a computação nos anos 50, parece que toma corpo com a arte pop nos anos 60. Cresce, ao entrar pela filosofia, durante os anos 70, como crítica da cultura ocidental. Amadurece hoje, alastrando-se na moda, no cinema, na música e no dia a dia programado pela tecnociência, invadindo o cotidiano com alimentos processados, biotecnologia, microcomputadores, engenharia genética, clonagens, etc.
O pós-modernismo invadiu o cotidiano com a tecnologia eletrônica de massa e individual, visando a sua saturação com informações, diversões e serviços.
O pós-modernismo permite uma fortuna ser aplicada em sofisticados equipamentos e pesquisas espaciais, num interesse frenético por "outros mundos". Enquanto isso, vê-se milhares de pessoas morrerem por não conseguirem o mínimo para saciar as suas necessidades básicas.
Enfim, o pós-modernismo ameaça encarnar hoje estilos de vida e de filosofia nos quais viceja uma idéia tida como arqui-sinistra: o niilismo, o nada, o vazio, a ausência de valores e de sentido para a vida. Um exemplo disso é a introdução gradativa do american way of life no cotidiano, que todos querem copiar, o que fica mais fácil perante a globalização.
Paira uma pergunta no ar: o pós-modernismo é agonia ou êxtase? Isso não importaria tanto se existisse ajuda em relação a formar o cidadão consciente, capaz de manejar com objetividade os poderosos instrumentos que as novas tecnologias da comunicação estão colocando à sua disposição. Nesse caso, haveria de se exercitar uma vigilância sobre os veículos de comunicação, a fim de chamá-los à sua responsabilidade de principais formadores de opinião.



Bibliografia
"O que é pós-moderno" de Jair Santos – Editora Brasiliense S/A

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

LYGIA CLARK

"Penso que o meu caminhar é maravilhoso, pois agora já não sei o que vem antes, se é a arte em forma de proposições ou a vida que, de repente, se despenca dentro de mim e me traz esse estado de supersensibilidade!”
Lygia Clark, 22.1.1970



Lygia Clark (Belo Horizonte, 1920 – Rio de Janeiro, 1988) inicia seus estudos artísticos em 1947, no Rio de Janeiro, sob a orientação de Roberto Burle Marx e Zélia Salgado. Em 1950, Clark viaja a Paris, onde estuda com Arpad Szènes, Dobrinsky e Léger. A artista dedica-se ao estudo de escadas e desenhos de seus filhos, assim como realiza os seus primeiros óleos. Após sua primeira exposição individual, no Institut Endoplastique, em Paris, no ano de 1952, a artista retorna ao Rio de Janeiro e expõe no Ministério da Educação e Cultura.

Lygia Clark é uma das fundadoras do Grupo Frente, em 1954: dedicando-se ao estudo do espaço e da materialidade do ritmo, ela se une a Décio Vieira, Rubem Ludolf, Abraham Palatnik, João José da Costa, entre outros, e apresenta as suas “Superfícies Moduladas, 1952-57” e “Planos em Superfície Modulada, 1956-58”. Estas séries caminhavam para longe do espaço claustrofóbico da moldura, queriam estar livres. É aquilo que Lygia queria como linha-luz, como módulo construtor do plano. Cada figura geométrica projeta-se para além dos limites do suporte, ampliando a extensão de suas áreas. Lygia ainda participa, em 1954, com a série “Composições”, da Bienal de Veneza – fato que se repetirá, em 1968, quando é convidada a expor, em sala especial, toda a sua trajetória artística até aquele momento.

Em 1959, integra a I Exposição de Arte Neoconcreta, assinando o Manifesto Neoconcreto, ao lado de Amílcar de Castro, Ferreira Gullar, Franz Weissmann, Lygia Pape, Reynaldo Jardim e Theon Spanudis. Clark propõe com a sua obra, que a pintura não se sustenta mais em seu suporte tradicional. Procura novos vôos. Nas “Unidades, 1959”, moldura e “espaço pictórico” se confundem, um invadindo o outro, quando Clark pinta a moldura da cor da tela. É o que a artista chama de “linha orgânica”, em 1954: não é uma pintura fechada nela mesma; a superfície se expande igualmente sobre a tela, separando um espaço, se reunindo nele e se sustentando como um todo.

As obras querem ganhar o espaço. O trabalho com a pintura resulta na construção do novo suporte para o objeto. Destas novas proposições nascem os “Casulos, 1959”. Feitos em metal, o material permite que o plano seja dobrado, assumindo uma busca da tridimensionalidade pelo plano, deixando-o mais próximo do próprio espaço do mundo. Em 1960, Lygia cria a série “Bichos”: esculturas, feitas em alumínio, possuidoras de dobradiças, que promovem a articulação das diferentes partes que compõem o seu “corpo”. O espectador, agora transformando em participador, é convidado a descobrir as inúmeras formas que esta estrutura aberta oferece. Com esta série, Clark torna-se uma das pioneiras na arte participativa mundial. Em 1961, ganha o prêmio de melhor escultura nacional na VI Bienal de São Paulo, com os “Bichos”.

A experiência com a maleabilidade de materiais duros converte-se em material flexível. Lygia Clark chega à matéria mole: deixa de lado a matéria dura (a madeira), passa pelo metal flexível dos “Bichos” e chega à borracha na “Obra Mole, 1964”. A transferência de poder, do artista para o propositor, tem um novo limite em “Caminhando, 1963”. Cortar a fita significava, além da questão da “poética da transferência”, desligar-se da tradição da arte concreta, já que a “Unidade Tripartida, 1948-49”, de Max Bill, ícone da herança construtivista no Brasil, era constituída simbolicamente por uma fita de Moebius. Esta fita distorcida na “Obra Mole” agora é recortada no “Caminhando”. Era uma situação limite e o início claro de num novo paradigma nas Artes Visuais brasileiras. O objeto não estava mais fora do corpo, mas era o próprio “corpo” que interessava a Lygia.

A trajetória de Lygia Clark faz dela uma artista atemporal e sem um lugar muito bem definido dentro da História da Arte. Tanto ela quanto sua obra fogem de categorias ou situações em que podemos facilmente embalar; Lygia estabelece um vínculo com a vida, e podemos observar este novo estado nos seus "Objetos sensoriais, 1966-1968”: a proposta de utilizar objetos do nosso cotidiano (água, conchas, borracha, sementes), já aponta no trabalho de Lygia, por exemplo, uma intenção de desvincular o lugar do espectador dentro da instituição de Arte, e aproximá-lo de um estado, onde o mundo se molda, passa a ser constante transformação.

Em 1968 apresenta, pela primeira vez, no MAM-RJ, "A casa é o corpo", uma instalação de oito metros, que permite a passagem das pessoas por seu interior, para que elas tenham a sensação de penetração, ovulação, germinação e expulsão do ser vivo. Nesse mesmo ano, Lygia muda-se para Paris. O corpo dessexualizado é apresentado na série “roupa-corpo-roupa: O Eu e o Tu, 1967”. Um homem e uma mulher vestem pesados uniformes de tecido plastificado: o homem, veste o macacão da mulher; e ela, o do homem. Tateando um ao outro, são encontradas cavidades. Aberturas, na forma de fecho ecler, que possibilitam a exploração tátil, o reconhecimento do corpo: “os fechos são para mim como cicatrizes do próprio corpo”, diria a artista, no seu diário.

Em 1972, é convidada a ministrar um curso sobre comunicação gestual na Sorbonne. Suas aulas eram verdadeiras experiências coletivas apoiadas na manipulação dos sentidos, transformando estes jovens em objetos de suas próprias sensações. São dessa época as proposições “Arquiteturas biológicas, 1969", “Rede de elástico, 1973", “Baba antropofágica, 1973" e “Relaxação, 1974". Tratam de integrar arte e vida, incorporando a criatividade do outro e dando ao propositor o suporte para que se exprima. Em 1976, Lygia Clark volta definitivamente ao Rio de Janeiro. Abandona, então, as experiências com grupos e inicia uma nova fase com fins terapêuticos, com uma abordagem individual para cada pessoa, usando os “Objetos relacionais": na dualidade destes objetos (leves/pesados, moles/duros, cheios/vazios), Lygia trabalha o “arquivo de memórias” dos seus pacientes, os seus medos e fragilidades, através do sensorial. Ela não se limita apenas ao campo estético, mas sobretudo ao atravessamento de territórios da Arte. Lygia Clark desloca-se para fora do sistema do qual a arte é parte integrante, porque sua atitude incorpora, acima de tudo, um exercício para a vida. Como afirma Lygia:
“Se a pessoa, depois de fizer essa série de coisas que eu dou, se ela consegue viver de uma maneira mais livre, usar o corpo de uma maneira mais sensual, se expressar melhor, amar melhor, comer melhor, isso no fundo me interessa muito mais como resultado do que a própria coisa em si que eu proponho a vocês” (Cf. O Mundo de Lygia Clark,1973, filme dirigido por Eduardo Clark, PLUG Produções).
Em 1981, Lygia diminui paulatinamente o ritmo de suas atividades. Em 1983 é publicado, numa edição limitada de 24 exemplares, o “Livro Obra", uma verdadeira obra aberta que acompanha, por meio de textos escritos pela própria artista e de estruturas manipuláveis, a trajetória da obra de Lygia desde as suas primeiras criações até o final de sua fase neoconcreta. Em 1986, realiza-se, no Paço Imperial do Rio de Janeiro, o IX Salão de Artes Plásticas, com uma sala especial dedicada a Hélio Oiticica e Lygia Clark. A exposição constitui a única grande retrospectiva dedicada a Lygia Clark ainda em atividade artística. Em abril de 1988, Lygia Clark falece.
Muitas são as inquietações provocadas pela obra de Lygia, porém não só de obras plásticas se constitui a sua trajetória – muitos são seus estudos, tanto plásticos quanto literários, e muitas são as reverberações de suas obras, tais como: exposições, teses e críticas produzidas em diversos pontos do mundo.

Assim, é para catalogar a obra completa da artista e organizar um cadastro dessas obras e de todo o material documental referente a elas, que se faz presente a parte de Pesquisa da Associação Cultural. Todo este acervo, constituído de imagens e textos, é organizado de tal forma que possa facilitar o estudo sobre Lygia Clark.

Organizada em um banco de dados que ainda não está disponibilizado na forma on-line, a Pesquisa está aberta a interessados através de agendamento por e-mail pesquisa@lygiaclark.org.br da Associação Cultural.
Uma trajetória artística imbricada no conceito de arte e vida, não poderia ser condensada em um estilo ou um conceito arcaico; a obra de Lygia Clark reverbera múltiplas questões e proposições para a vida, transpondo “maneirismos engessados” da Arte, e se mostra inquietante em si própria.
Com o objetivo de propagar este campo aberto de experimentações, a Associação Cultural “O Mundo de Lygia Clark”, promove uma série de projetos, que aliam a divulgação da obra com a necessidade de expor as idéias desta “não-artista”, que atravessou as fronteiras da Arte, colocando questões vitais para a trajetória do campo artístico internacional.

Tatiana Rysevas Guerra (bolsista FAPESP)
Profa. Dra. Daisy Peccinini (orientadora)

Lygia Clark por Ferreira Gullar
“Os quadros de Lygia Clark não têm moldura de qualquer espécie, não estão separados do espaço, não são objetos fechados dentro do espaço: estão abertos para o espaço que neles penetra e neles se dá incessante e recente: tempo...” In: GULLAR, Ferreira

Segundo Ferreira Gullar, Lygia Clark iniciou em 1954 uma pesquisa que acabou, por um lado, por romper com a temática concretista e por outro, por realizá-la com mais eficiência. Os concretos queriam romper com o conceito de obra que representasse o mundo. Para isso, utilizaram a linguagem da matemática, criando uma nova realidade no quadro, e trabalharam diretamente no mundo, com o design e o urbanismo.
Mas nas suas obras ainda ficava uma questão. A tela em si, já significa um espaço de representação. Logo, o fato dos artistas trabalharem com a tela, não rompia totalmente com o conceito de obra representando o mundo. A problemática da figura-fundo ainda permanecia.
Lygia Clark passou então a construir o espaço de seus quadros. O trabalho do artista não estava mais desligado da preparação do suporte. O quadro não era mais o espaço para representar a expressão. Quadro e expressão agora se confundiam. Assim, ela eliminou o contraste entre o fundo representativo e a forma: o quadro inteiro é a forma, e está diretamente inserida no mundo, sem os limites da moldura.
Partindo desta idéia, analisemos a obra Plano em superfícies moduladas nº 2, de 1956.



Plano em superfícies moduladas nº 2 1956
Tinta industrial s/ celotex, madeira e nulac,
90,1 x 75,0 cm.
Doação MAM-SP. Acervo MAC-USP
Por um lado, a artista utilizou materiais industriais e a simplificação formal às estruturas geométricas básicas, organizadas segundo as leis da gestalt, o que nos remete à sua origem concreta. Mas foi além, construindo o próprio quadro. É formado por uma base de aglomerado de madeira, sobre a qual foi colocada uma argamassa industrial. Nesta argamassa a artista imprimiu sua composição, e fez incisões, como se estivesse recortando o quadro em pedaços. Quando a observamos ao vivo, temos esta visão de placas reunidas para formar o quadro.
Não há moldura, não há espaço pré-fabricado. A artista constrói o quadro como um todo, com elementos retirados do mundo material. E o quadro resultante também se insere no mundo material, em uma relação que busca igualar arte e vida.

Mais sobre Lygia Clark
Projeto Livro "O Mundo de Lygia Clark"

Em 2004, foi lançado o primeiro projeto editorial da Associação: o livro O Mundo de Lygia Clark, expondo com textos e imagens retirados do filme homônimo, dirigido por Eduardo Clark, em 1973, as proposições e conceitos da artista. Dividido em quinze capítulos (cada capítulo é representado por uma das obras apresentadas no filme), O Mundo de Lygia Clark apresenta as idéias da artista, que lidam com a noção de fronteira entre arte e terapia. São ilustradas as obras da artista que compõem a fase da Nostalgia do Corpo, tais como: "Rede de elástico, 1973", "Água e conchas, 1966", "Baba antropofágica, 1973" e "Viagem, 1973". A produção de um mini-CD que acompanha o livro, com uma edição de cinco minutos do filme, oferece uma rara oportunidade ao leitor que não assistiu ao filme de tomar conhecimento do universo de Lygia Clark. O livro é bilíngüe (inglês/português) e contém a transcrição completa do diálogo de Lygia Clark apresentado no filme. O projeto gráfico do livro é de Alessandra Clark, e o prefácio apresenta textos de Guy Brett e Felipe Scovino.

Projeto Lygia Clark On-Line

Criação de um portal sobre a artista, onde o internauta, de forma democrática e gratuita, encontrará todas as informações sobre sua vida e obra. Este portal terá uma atualização constante em seu conteúdo, à medida que novos artigos, imagens ou informações forem agregadas ao banco de dados da Associação. O site consistirá de: transcrição de textos manuscritos da artista, inclusive inéditos; acervo de imagens, onde o internauta “navegará” pelas esculturas, pinturas e imagens pessoais de Lygia; exposição virtual (com as principais obras de cada fase da artista, organizadas em ordem cronológica); e, acervo de vídeos. Haverá, ainda, o Fórum de Debates, no qual os visitantes do site poderão trocar informações sobre o trabalho de Lygia Clark com críticos, pesquisadores e nomes importantes da arte contemporânea brasileira, que serão convidados mensalmente pela Associação Cultural. O projeto do site é ser disponibilizado em português e inglês.

Projeto Lygia Clark nas Escolas

Através de uma apresentação expositiva e valorizando a experiência do manuseio das réplicas, bem como o incentivo à criação artística, o projeto busca uma divulgação da obra de Lygia Clark junto aos estudantes da rede pública e privada nacional, potencializando a importância da arte-educação no processo de desenvolvimento humano.
A Associação Cultural tem interesse em continuar criando, difundindo e recebendo projetos com a obra de Lygia Clark, tornando possível, desta forma, a preservação da memória da obra de Lygia Clark.
Para maiores informações entre em contato através do e-mail: projetos@lygiaclark.org.br
Lygia cria novos conceitos, como a “linha orgânica”, promove a interatividade com o público e pouco a pouco se afasta do suportes tradicionais da arte. Este conceito de participação foi o que a artista mais se aprofundou ao longo de sua trajetória artística, transformando-se numa de suas características mais marcantes, sobre a qual o cenário das artes nacional e internacional se mostram mais atentos.

Manter viva a memória de Lygia Clark assim como divulgar a sua obra é a prioridade na Associação que, desde o período de sua fundação, participou na organização de dezenas de exposições no Brasil e no exterior. Dentre elas, destacam-se:

WACK! Art and the Feminist Revolution, MOCA, Los Angeles (2007); Tropicália: a revolution in Brazilian Culture, Museum of Contemporary Art, Chicago (2005); Barbican, Londres (2006) e Bronx Museum of the Art, New York (2006/2007); Lygia Clark, da obra ao acontecimento: somos o molde, a você cabe o sopro..., Musée des Beaux-Arts, Nantes (2005) e Pinacoteca do estado de São Paulo, SP, Brasil (2006); Pulse: Art, Healing and Transformation, ICA, Boston, (2003); Brazil: Body and Soul, New York, Guggenheim Museum (2001); 7th International Istanbul Biennial – Sala especial, Istanbul (2001). Pensamento Mudo, Dan Galeria, (2004).50 Jahre/Years DOCUMENTA: 1955-2005, Kunsthalle Fridericiaum Kassel (2005). Artists' Favourites, ICA - London, (2004). Soto: a construção da imaterialidade, CCBB - RJ e BsB, Instituto Tomie Othake, MON, (2005).
Diversos textos são produzidos sobre Lygia Clark, seja uma análise sobre uma fase, seja uma densa investigação sobre da sua trajetória. Portanto, todo esse material de pesquisa é importante para a difusão da memória de Lygia Clark.

Para que possamos manter as nossas atividades de pesquisa e preservação da obra, bem como o funcionamento administrativo da Associação Cultural, são cobradas taxas, para o uso de direitos de imagem, de instituições que procuram a Associação com o interesse em divulgar a obra da artista, por meio de projetos com fins comerciais.

Todas as editoras e Museus que procuram a Associação, para uso de direito de imagem de Lygia Clark, são convidadas a disponibilizar exemplares destes livros para a nossa biblioteca. Desta forma, podemos atender mais adequadamente os pesquisadores que nos procuram. Selecionamos algumas publicações que tiveram o apoio da Associação Cultural para a sua edição:
PRATES, Valquíria; SANT’ANA, Renata. Lygia Clark: linhas vivas. São Paulo: Paulinas, 2006. FERREIRA, Gloria; COTRIM, Cecília (org.). Escritos de artistas: anos 60/70. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 2006. FARINA, Cyntia. Arte, cuerpo y subjetividad: estética de la formación y pedagogía de las afecciones. Tese de Doutorado. Universidade de Barcelona, 2005. GUIGON, Emmanuel; PIERRE, Arnauld. L`oeil moteur: art optique et cinétique, 1950-1975. Strasbourg: Musée d`Art moderne et contemporain, 2005. DE SALVO, Donna. Open systems: rethinking Art, c.1970. Londres: Tate, 2005. HOFFMANN, Jens; JONAS, Joan. Perform. Londres: Thames & Hudson, 2005. BRETT, Guy. Carnival of perception: selected writings on art. Londres: InIVA, 2004. 100 Brasileiros. Editado pela Secretaria de Comunicação do Governo Federal, 2004. RAMIREZ, Mari Carmen; OLEA, Hector. Inverted Utopias: Avant-garde art in Latin America. Houston: Museum of Fine Arts, 2004. BOIS, Yve-Alain; KRAUSS, Rosalind et al. Art since 1900: modernism, antimodernism and postmodernism. Londres: Thames e Hudson, 2004. SUZUKI, Katsuo. Brazil: Body Nostalgia. Tóquio: The National Museum of Modern Art, Tokyo, 2004. GROSENICK, Uta. Women artists, Mujeres arttistas de los siglos XX y XXI. Colonia: Taschen, 2001.
Além desses títulos, muitos outros são publicados com a colaboração da Associação Cultural "O Mundo de Lygia Clark". Para maiores informações sobre o uso de imagem da obra de Lygia Clark, entrar em contato: felipe.scovino@lygiaclark.org.br
Associação Cultural "O Mundo de Lygia Clark"

Praça Olavo Bilac, n° 28, conjunto 1808, Centro.
Cep.: 20041-010
Rio de Janeiro - Brasil
E-mail: colaboradores@lygiaclark.org.br
Telefax: 55 21 2531-8137
Desde o seu início, em 2001, a certificação de obras de Lygia Clark é uma atividade necessária para o cadastro, pesquisa e divulgação da obra da artista. Além disso, é uma garantia de segurança e uma certeza, indubitável, sobre a origem e a autenticidade da obra para o seu colecionador.

A Associação Cultural "O Mundo de Lygia Clark" oferece gratuitamente, com prazo até outubro de 2007, a certificação de obras. O processo é feito com a avaliação dos documentos entregues pelo proprietário a respeito da origem, histórico de compra da obra, condition report, dados da obra e do proprietário, além de um termo jurídico, no qual a Associação Cultural não será responsabilizada pelo proponente caso a obra não seja autêntica. O processo de certificação de autenticidade ainda enfrenta uma grande dificuldade visto que, grande parte das obras de Lygia Clark não possui assinatura.

A análise do processo de certificação é baseada em documentos de titularidade das obras, escritos de próprio punho pela artista. Caso a obra não seja identificada nestas listas, solicitamos ao proprietário que a obra seja enviada a um profissional qualificado para que sejam feitos os testes competentes à área de Química e identificação de materiais de época.
Atualmente, a Associação possui 526 obras certificadas, tornando o seu banco de dados, um instrumento de segurança para a realização de exposições.

Portanto, contamos com o apoio de todos os colecionadores de obras de Lygia Clark para que possamos identificar, certificar e divulgar a obra de uma das artistas mais importantes da História da Arte. Lygia Clark é um patrimônio da cultura brasileira e pedimos a sua colaboração para que continuemos a contribuir para a preservação e valorização da arte brasileira. Entre em contato conosco pelo e-mail: certificacao@lygiaclark.org.br

Imagens de Lygia Clark





























































A obra “Bichos” de Lygia Clark





“Plano em superfície nº5”


“A obra superfície modulada nº1”


Máscaras Sensoriais,1967


Eu e Tu, 1967


“Água e Conchas”