sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Seca ou latifúndio em Morte e Vida Severina?

Morte e Vida Severina é uma peça teatral escrita por João Cabral de Melo Neto. Obra que faz parte do pós-modernismo tem um diferencial do regionalismo da 2ª geração modernista, os quais enfocaram a seca como tema das dificuldades dos sertanejos.
Ao contrário do que a grande maioria acredita o tema do Auto de Natal Pernambucano não prioriza a seca como a causadora da vida miserável do sertanejo. A seca de Morte Vida Severina e a falta de tudo e não só a falta de água. Um dos motivos que faz com que Severino (personagem principal) saia do sertão paraibano para o litoral é a falta de lugar para trabalhar e a falta de terras. Fugir para a cidade e buscar oportunidades, porém ao longo do caminho de Severino até o litoral, ele só encontra dificuldades.
Uma cena que retrata bem a questão do latifúndio e a morte de um rapaz, o qual morreu por ter terras. No caminho para o litoral Severino encontra dois homens carregando um defunto numa rede, aos gritos de “ó irmãos das almas! irmãos das almas! não fui eu que matei não!”

— E o que guardava a emboscada,
irmão das almas,
e com que foi que o mataram,
com faca ou bala?
— Este foi morto de bala,
irmão das almas,
mais garantido é de bala,
mais longe vara.
— E quem foi que o emboscou,
irmãos das almas,
quem contra ele soltou
essa ave-bala?
— Ali é difícil dizer,
irmão das almas,
sempre há uma bala voando
desocupada.
— E o que havia ele feito,
irmãos das almas,
e o que havia ele feito
contra a tal pássara?
— Ter um hectares de terra,
irmão das almas,
de pedra e areia lavada
que cultivava.
— Mas que roças que ele tinha,
irmãos das almas,
que podia ele plantar
na pedra avara?
— Nos magros lábios de areia,
irmão das almas,
os intervalos das pedras,
plantava palha.
— E era grande sua lavoura,
irmãos das almas,
lavoura de muitas covas,
tão cobiçada?
— Tinha somente dez quadros,
irmão das almas,
todas nos ombros da serra,
nenhuma várzea.


E ao longo de seu destino para encontrar-se com uma vida melhor Severino encontra muitas pedras no caminho como diz Drummond. A terra é sempre disputada, a sobrevivência é sempre procurada.
E fica claro que Severino não quer chegar a cidade por ganância, mas sim por sobrevivência, pois ele sabe que a vida no sertão não é duradoura. O grau de conscientização é elevado, a personagem tem plena conhecimento de que a segregação não existe para Severinos.

Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.


Sabe também que viver no sertão a partir dos 30 é uma vitória, pois é difícil viver em situações tão precárias, o sertanejo é massacrado pelo capitalismo, pela sociedade, pela discrepância social, por uma série de fatores que diminuem a vida desses Severinos na terra.

E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).

O conceito de João Cabral de Melo Neto é muito amplo em relação à vida no sertão, por isto, o latifúndio é tema mais importante do auto. Quando o autor sobressalta o latifúndio é para mostrar que não só a seca destrói, mas também a falta de terra. Alguns leitores ao perceberem o tema latifúndio, pediram ao autor que fizesse uma campanha pedindo a Reforma Agrária utilizando a sua obra-prima Morte e Vida Severina.